Proposta do BC contra crimes financeiros e terrorismo divide especialistas

O Banco Central abriu uma consulta pública para revisar as normas de controles internos de instituições financeiras para obrigá-los a classificar clientes, funcionários e prestadores de serviços quanto ao grau de risco de envolvimento com crimes financeiros e apoio ao terrorismo.

Advogados especializados em mercado financeiro e Direito Penal avaliam que as possíveis revisões vão abranger tanto aspectos administrativos quanto criminais. Mas não há consenso se as mudanças serão benéficas ou não.

Armando Mesquita Neto, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, teme pelo aumento da criminalização. “O que temos assistido nos últimos anos é uma crescente aplicação de imputações criminais. O desenvolvimento do Direito Penal moderno segue em total desarmonia aos preceitos constitucionais do Direito Criminal clássico”.

Mas Bruno Garcia Borragine, criminalista do Bialski Advogados, vê avanços na prevenção à lavagem de dinheiro.

“A iniciativa do Banco Central é louvável, pois demonstra que as autoridades à frente do poder instituído estão obviamente preocupadas em sempre aperfeiçoar os mecanismos de combate à lavagem e ao terrorismo, inclusive seguindo diretrizes internacionais”, explica Borragine, referindo-se ao Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), organização intergovernamental criada para desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, com quem o BC está alinhado.

O alinhamento a normas de fiscalização internacionais não pode, no entanto, sobrepor garantias individuais, aponta Gustavo Panazi, advogado do departamento de Direito Penal Empresarial do Braga Nascimento e Zilio Advogados.

“O Banco Central do Brasil se preocupa em atender às exigências de órgãos internacionais por um maior controle das movimentações financeiras, a fim de coibir a lavagem de dinheiro, principalmente de escala transnacional, que alimenta organizações criminosas e células terroristas por todo o globo. Por outro lado, não seria prudente agir de forma precipitada, a fim de obter aprovação de órgãos fiscalizadores internacionais, apressando e enrijecendo procedimentos já previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) e no Código de Processo Penal, pois dispõem de amplos instrumentos de combate ao crime de lavagem de dinheiro. A banalização de tais ferramentas jurídicas pode ocasionar graves violações às garantias constitucionais fundamentais dos cidadãos, como o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, por exemplo”.

Nessa mesma linha, Luciano Santoro, sócio do Fincatti Santoro Sociedade de Advogados e professor de Direito Penal, diz que a proposta do Banco Central “vem em sintonia com o que se verifica há duas décadas no Direito Penal Econômico, que são mandados de criminalização internacionais, com as normas sendo produzidas para satisfazer interesse de grupos internacionais, como o Gafi.” Para Santoro, o grande risco é ferir direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal.

Exigênca de compliance
Controvérsias à parte, as novas normas do BC seguem na esteira do fortalecimento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras e obrigarão bancos e corretoras a adotarem novos paradigmas de compliance, diz o professor do IDP-SP João Paulo Martinelli. “Os bancos terão de avaliar os clientes que entram em seu cadastro, tanto na relação risco, quanto no controle de movimentações”, diz Martinelli.

Quem não se adaptar poderá ter problemas. Para Armando Mesquita Neto, apesar de a nova regulação contemplar efeitos administrativos, poderá haver implicações criminais por conta da Lei de Lavagem de Dinheiro. “Uma revisão no compliance terá o objetivo de evitar passivos criminais.”

O criminalista Marcelo Egreja Papa, sócio do Guillon & Bernardes Jr. Advogados, avalia que, com normas de controle mais rigorosas em instituições financeiras, poderá haver mais imputações do crime de gestão temerária.

“No ordenamento jurídico brasileiro, está previsto o crime de gestão temerária de instituição financeira, do qual não é possível extrair, apenas da leitura do tipo penal, quais são as ações ou omissões que se pretendeu criminalizar, ou seja, isso depende de normas administrativas para se definir as condutas que de fato geram um risco juridicamente desaprovado a ponto de tipificar o delito”.

Fonte: ConJur