Grupo econômico só se caracteriza com relação hierárquica entre empresas

Para a configuração de grupo econômico é imprescindível a existência de relação hierárquica de uma empresa sobre a outra, não sendo suficiente o simples fato de haver sócios em comum entre as demandadas.

Com base nesse entendimento, o ministro Breno Medeiros, do Tribunal Superior do Trabalho, deu provimento a recurso de revista para negar a responsabilidade solidária atribuída à empresa Rádio e TV Borborema.

Em sua decisão, o magistrado lembrou que a jurisprudência do TST é firme no sentido de que para a configuração de grupo econômico e, consequentemente, para caracterização da responsabilidade solidária, é fundamental a existência de relação hierárquica entre as empresas.

O julgador lembrou que o  § 2º do artigo 2º da CLT determina que sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

O ministro entendeu que o juízo de origem não apontou elementos fáticos que evidenciem a existência efetiva de hierarquia ou de direção entre as empresas, de forma a autorizar o reconhecimento da responsabilidade solidária.

“Assim sendo, a decisão regional foi proferida em desconformidade com a jurisprudência desta Corte, autorizando o exame da matéria, ante a transcendência política, razão pela qual conheço do recurso de revista, por violação do artigo 2º, § 2º, da CLT, e, no mérito, dou-lhe provimento para excluir a responsabilidade solidária atribuída à recorrente”, resumiu.

A Rádio e TV Borborema foi representada pelo advogado Ronaldo Tolentino. “A decisão do Ministro Breno é acertada, uma vez que, conforme jurisprudência do TST, a mera identidade de sócios, não induz ao Grupo Econômico. Destaco que no caso presente, nem identidade de sócios havia”, analisou Tolentino.

Fonte: ConJur

TST afasta reintegração de bancário que foi demitido durante a pandemia

Por considerar que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, lei que garanta a estabilidade profissional durante a epidemia de Covid-19, além da premissa segundo a qual o empregador tem autonomia para administrar o seu negócio, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o direito do banco Bradesco de dispensar, sem justa causa, um bancário do Rio de Janeiro, durante a crise sanitária.

 

De acordo com o processo, o bancário acionou a Justiça do Trabalho para anular a dispensa, ocorrida em outubro de 2020, com a alegação de que teria sido dispensado quando o país estava em estado de calamidade pública. Segundo ele, o banco se comprometera, publicamente, a suspender as dispensas nesse período, ao aderir ao movimento #NãoDemita. Como ele não se beneficiou desse compromisso, ao contrário de outros colegas, argumentou que sua dispensa seria discriminatória.

Na primeira instância, o juízo da 76ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro declarou nula a dispensa e determinou a reintegração do bancário no cargo antes ocupado, com o pagamento dos salários do período de afastamento, além de indenização por danos morais. Na sentença, o juiz destacou que o banco havia descumprido compromisso e que, de fato, o bancário teria recebido tratamento desigual em relação aos empregados não dispensados.

Na sequência, o Bradesco ingressou com mandado de segurança para cassar a decisão da Vara do Trabalho. Segundo o banco, o profissional não detinha nenhum tipo de garantia provisória no emprego e a empresa não assumira compromisso de suspender as demissões durante toda a epidemia, mas apenas em abril e maio de 2020.

A decisão, porém, foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), que avaliou que o país foi um dos mais atingidos pela epidemia e que, mesmo durante a crise, o banco publicara relatório informando o lucro líquido obtido no período. Para o TRT-1, a medida não limitava o poder diretivo da empresa. A decisão ainda levou em conta o fato de que o bancário tinha prestado serviços para o banco por dez anos.

Garantia de emprego
No recurso encaminhado à SDI-2, o banco insistiu que a garantia de emprego decorre de previsão legal ou norma coletiva, condições que não existem no caso. Argumentou, ainda, que a adesão espontânea ao movimento #NãoDemita não significou um compromisso formal com os funcionários além dos 60 dias previstos.

Ao analisar o recurso, o relator, ministro Douglas Alencar, assinalou que a dispensa do empregado, com exceção das situações em que há estabilidade, garantia provisória de emprego ou exercício abusivo do direito patronal, está inserida no direito do empregador de administrar o negócio.

Assim, segundo ele, a adesão ao movimento #NãoDemita não criou uma nova modalidade de garantia de emprego nem tinha caráter obrigatório. Tratava-se, apenas, de um propósito a ser buscado pelos participantes.

A decisão foi unânime, com ressalva de entendimento do ministro Alberto Balazeiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

ROT 100288-69.2021.5.01.0000

Fonte: ConJur

Cláusula penal em acordo homologado pode ser reduzida pelo juiz, diz STJ

A decisão que homologa acordo entre as partes forma coisa julgada. Mesmo assim, a cláusula penal que constar dela pode ser reduzida pelo juiz, com base no princípio da equidade, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida ou se o valor for excessivo.

 

O caso trata de ação ajuizada por particulares contra uma empresa de empreendimentos imobiliários. Durante a tramitação, eles chegaram a um acordo, que previu o cumprimento de obrigações, sob pena de multa de R$ 85 mil.

Como a empresa descumpriu o combinado, os particulares deram início ao cumprimento de sentença, inclusive o pagamento da multa. A ré então apresentou impugnação, sob alegação de que o valor previsto seria abusivo.

O juízo de primeiro grau entendeu que a quantia não é abusiva. E o Tribunal de Justiça de Minas Gerais concluiu que rever o valor feriria a coisa julgada, por se tratar de acordo livremente pactuado entre as partes e homologado em juízo.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que a revisão do valor é, em tese, possível. É o que prevê o artigo 413 do Código Civil, responsável por transformar o abrandamento do valor da cláusula penal é norma cogente e de ordem pública.

A norma diz que a penalidade “deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.

No entanto, rever as conclusões das instâncias ordinárias demandaria reexame de fatos e provas e seria medida excepcional. Para ela, o valor devido pela multa não se mostra manifestamente excessivo apenas por ter ultrapassado R$ 85 mil, conforme destacou o acórdão atacado.

 

Fonte: ConJur

Não recebimento de fatura não isenta consumidor de pagar conta, diz TJ-PE

“O não recebimento das faturas não exonera o consumidor/usuário do pagamento da obrigação, razão pela qual seria devida a negativação e, por conseguinte, incabível qualquer condenação em danos morais”. Com essa fundamentação, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) reformou sentença que condenou uma empresa de eletricidade a indenizar uma indígena em R$ 6 mil.

A condenação foi imposta pelo juízo da 2ª Vara da Comarca de Cabrobó contra a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe). A autora da ação teve o nome negativado em decorrência da inadimplência de três contas de luz e pediu a indenização por dano moral com a alegação de que a empresa não lhe enviou as faturas.

Contra o acórdão, a autora da ação interpôs embargos declaratórios por suposta omissão, que foram rejeitados por unanimidade. Ela alegou que o colegiado não se pronunciou sobre a regra referente à obrigatoriedade de comunicação prévia ao consumidor, por escrito, acerca da inclusão do seu nome nos órgãos de restrição de crédito.

Segundo o desembargador Eurico de Barros Correia Filho, relator dos embargos, a questão da exigência prévia de notificação sobre a negativação foi debatida de modo objetivo, “razão pela qual a irresignação da recorrente reflete indevida renovação de matéria de mérito e mera insatisfação frente ao entendimento firmado pelo colegiado”.

Situação de risco
A indígena descobriu que o seu nome estava inscrito nos órgãos de restrição de crédito ao comparecer a uma loja de eletrodomésticos. Ela também narrou na inicial que a Fundação Nacional do Índio (Funai) era a responsável pelo pagamento de energia em sua aldeia, porém, em 2006, seriam instalados medidores individuais nas casas, o que não foi cumprido pela Celpe.

No julgamento do recurso, a 4ª Câmara Cível levou em conta provas juntadas pela empresa de que índios da aldeia Truká destruíram equipamentos da Celpe na localidade e funcionários da recorrente sofreram ameaças ao tentar entrar na área. Para o colegiado, a negativação do nome da apelada decorreu do “regular exercício do direito da apelante”, após o débito de três faturas consecutivas.

O acórdão que reformou a sentença afastou expressamente a necessidade de comunicação anterior à negativação, “ante a existência dos conflitos na área da aldeia indígena Truká, o que militava em favor da Celpe, já que os indígenas deram causa a uma situação de risco”.

Fonte: ConJur

Juiz condena autor de ação contra banco e advogada por litigância de má-fé

O Juizado Especial Misto de Santa Rita (PB) negou pedido de desistência do autor de ação que pedia indenização por danos morais contra uma instituição financeira.

Na ação, o reclamante alegou que teve seu nome incluído indevidamente em serviços de proteção ao crédito e que teria sido vítima de fraude.

Contudo, a defesa do banco, patrocinado pelo escritório Eckermann | Yaegashi | Santos – Sociedade de Advogados, apresentou documentação comprovando que o autor utilizou os serviços do banco pelos meios legais. Depois disso, o reclamante e sua advogada apresentaram pedido de desistência.

Na decisão, o juiz leigo Giordano Bruno Linhares de Melo argumentou que existe um grupo de advogados oriundos do estado do Mato Grosso que já ajuizou 500 ações na Paraíba, sempre apresentando a mesma narrativa de negativação indevida.

Ele negou o pedido de desistência da ação e condenou o autor e sua advogada por litigância de má-fé, perdas e danos e honorários  advocatícios. Também determinou que seja enviado ofício ao Tribunal de Ética da OAB-PB para que o órgão avalie a conduta e possíveis irregularidades da advogada, que, segundo a sentença, “falseou deliberadamente a verdade dos fatos”.

 

Fonte: ConJur

TJ-PE extingue ações padronizadas com indícios de advocacia predatória

Por entender que a ação era temerária e representativa de abuso de direito, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco manteve a extinção de um processo com forte indício de advocacia predatória.

A demanda, em tese, foi ajuizada por uma cliente do banco Bradesco que alegava abusividade de cláusulas de um contrato de empréstimo. Mas o juiz Caio Souza Pitta Lima, da Vara Única de Exu (PE) considerou que o litígio teria sido “produzido artificialmente” pelo advogado Murilo de Oliveira Feitoza.

O processo seria fruto de captação em massa de clientes, sem o consentimento livre e esclarecido da autora. Isso porque o advogado teria usado a mesma petição inicial em diversas ações idênticas, mas alterado apenas o nome da parte.

Segundo o magistrado, Feitoza ajuizou — nas comarcas de Exu, Araripina, Ipubi, Bodocó, Parnamirim, Ouricuri e Trindade — 11.142 ações, correspondentes a 1.680 clientes, em um período de dois anos e três meses. Isso significa 413 ações por mês, ou 4.956 por ano. A média foi de seis a sete ações contra diferentes instituições financeiras.

O município de Ipubi, por exemplo, tem 31 mil habitantes, sendo 2.700 idosos. O advogado teria 250 clientes na cidade e protocolou 2.600 processos somente naquela comarca.

Mesmo assim, a autora recorreu da sentença para tentar reformar a extinção da ação. Feitoza acusou o Juízo de primeira instância de ofender o princípio constitucional do amplo acesso à Justiça.

O desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima, relator do caso no TJ-PE, confirmou que a ação foi ajuizada ao mesmo tempo e no mesmo espaço que outras milhares de demandas idênticas. Ele observou que o advogado usou petição inicial padronizada, com teses genéricas, sem “qualquer correlação com a realidade fática” e sem que a autora tivesse consciência.

“Essas demandas acabam comprometendo a justa composição dos litígios, por dar especial protagonismo a institutos meramente formais, como a revelia, a impugnação específica e a inversão do ônus da prova”, assinalou o magistrado. “Em outras palavras, compromete ao exercício do direito de defesa e pode induzir o juiz a erro”.

O relator ressaltou que não estaria restringindo o amplo acesso à Justiça, mas apenas estimulando a parte “a trazer sua postulação em termos adequados”

Recorrência
A mesma câmara da corte também incluiu, nas próximas pautas de julgamento, cerca de 177 apelações de Feitoza sobre advocacia predatória.

Este foi o segundo julgamento sobre o caso no TJ-PE. Em junho, a 4ª Câmara Cível já havia negado apelações referentes à extinção de 72 processos ajuizados em massa pelo mesmo advogado nas comarcas de Ipubi e Araripina.

O colegiado já havia observado indícios de captação ilegal de clientes, irregularidades nas procurações, apropriação indébita dos valores recebidos e uso de teses jurídicas fabricadas.

Os desembargadores também constataram situações de ajuizamento, na mesma vara, de um processo para cada renegociação de empréstimo com a mesma instituição financeira, com pedidos de indenização por danos morais.

Na ocasião, foi verificado o desconhecimento das partes quanto às causas, à quantidade de processos, à existência de acordo e a pagamentos feitos diretamente na conta do advogado. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-PE.

Fonte: ConJur

Demora para devolver pagamento em duplicidade não gera dano moral

Ao contrário do que ocorre com a pessoa física, as hipóteses em que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral são bem mais restritas, visto que ela não possui “sentimentos” passíveis de serem abalados.

Com base nesse entendimento, a 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de danos morais feito por uma padaria contra dois bancos e uma fornecedora em razão de um pagamento em duplicidade que demorou para ser ressarcido.

De acordo com os autos, a padaria acabou pagando duas vezes pela compra de produtos alimentícios, no valor total de R$ 10,7 mil. A autora alegou não ter conseguido, de imediato, a restituição junto à fornecedora e aos dois bancos envolvidos na transação, o que motivou o ajuizamento da ação.

A padaria conseguiu o ressarcimento do valor pago a mais, porém a indenização por danos morais foi negada em primeiro e segundo graus. Para o relator, desembargador José Marcos Marrone, embora as pessoas jurídicas possam sofrer danos morais, não foi o que aconteceu na hipótese dos autos.

“Diversamente do que se dá com a pessoa física, as hipóteses em que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral são bem mais restritas, visto que ela não possui ‘sentimentos’ passíveis de serem abalados. A suposta ‘conduta negligente do requerido em locupletar-se do crédito da requerente’ não representa fato passível de repercussão em verba de dano moral, caracterizando-se como lesão de bem patrimonial”, disse.

Citando precedente do Superior Tribunal de Justiça, o desembargador ressaltou que o dano moral pressupõe ofensa anormal à personalidade, o que não foi verificado neste caso. Ele também negou a condenação por litigância de má-fé de um dos bancos pela demora na devolução do dinheiro. A decisão foi por unanimidade.

Fonte: ConJur

 

TJ-SC aponta advocacia predatória e extingue processos repetitivos

A ausência de procuração válida nos autos a favor do advogado que subscreve o recurso na data de sua interposição importa no não conhecimento do apelo por inexistente. Logo, não há ilegalidade no comando do relator em proceder a averiguação dos pressupostos processuais quando do recebimento do recurso, ainda que o processo já se encontre com sentença de mérito proferida sem trânsito em julgado.

Esse foi o entendimento do juízo da 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina ao negar provimento a recurso de uma consumidora contra decisão que julgou improcedente uma ação movida contra um banco. A autora pedia a declaração de nulidade de contrato bancário e indenização por supostos danos de natureza moral e material.

Na decisão, o relator da matéria, desembargador Fernando Carioni, observou “a quantidade expressiva de processos envolvendo o mesmo advogado, mesma causa de pedir e pedido” e que “diversas ações representadas por esse causídico estavam sendo extintas por falta de pressuposto processual em vista das procurações terem sido preenchidas em formato cópia, jamais no original, e prática de fraude pelo causídico na informação do endereço residencial da parte via apresentação de declaração falsa”, o que poderia ser considerado como “uma verdadeira configuração de advocacia predatória”.

Diante disso, o julgador determinou a apresentação nos autos de documentações atualizadas, o que, no entanto, não foi cumprido pela apelante, acarretando a extinção da ação sem julgamento do mérito, em vista da ausência de pressupostos de constituição válido e regular do processo (artigo 485, IV, do Código de Processo Civil).

Por fim, o desembargador determinou a expedição de ofícios à OAB-SC, à Procuradoria-Geral de Justiça e ao Núcleo de Monitoramentos de Perfis de Demanda (Numopede) da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina.

O escritório Ernesto Borges Advogados atua pela instituição financeira.

Fonte:  Conjur.

Opinião – Penhora online e abuso de autoridade

Como já é de amplo de conhecimento na comunidade jurídica, a Lei nº 13.869/2019 disciplina os chamados crimes de “abuso de autoridade” e, na tentativa de zelar pelo escorreito exercício das funções públicas, tipifica variadas condutas cujo cometimento poderá ensejar a aplicação das penalidades nela previstas, dentre aquelas destacando-se o artigo 36 que trata do bloqueio desproporcional ou excessivo de ativos financeiros a respeito do qual algumas ponderações de ordem prática afiguram-se pertinentes. Não pretendemos aqui abordar tal crime mediante a tradicional decomposição do tipo penal com análise de seus elementos básicos (sujeito ativo, sujeito passivo, elemento objetivo, elemento subjetivo etc.) [1], senão apenas tecer algumas considerações que supomos relevantes para adequado esclarecimento de aspectos práticos relacionados ao crime em questão. Superada tal advertência, vejamos.

Dispõe o artigo 36 da Lei nº 13.869/2019 nos seguintes termos:

“Artigo 36. Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:
Pena – detenção, de um a quatro anos, e multa”.

Basicamente, o tipo penal prevê como crime a decretação judicial de indisponibilidade de ativos financeiros em patamar exageradamente superior àquele estimado como suficiente para a satisfação da dívida, sem a devida correção do excesso após sua demonstração pela parte interessada. Fácil perceber tratar-se de previsão voltada notadamente às autoridades judiciárias, únicas competentes para a decretação de indisponibilidade de bens em processo judicial por conta da reserva de jurisdição existente em relação ao tema [2]. Outrossim, o excesso porventura incorrido há de ser exagerado, ou seja, manifestamente superior ao valor do débito cujo adimplemento se pretende, o que se infere da expressão “exacerbadamente” contida no tipo, pelo que não havendo cogitar-se de crime se o excesso for pequeno ou irrisório, atento ao princípio hermenêutico segundo o qual “a lei não contém palavras inúteis” (verba cum effectu sunt accipienda).

Conquanto de fácil configuração teórica, uma análise mais acurada da previsão normativa evidencia tratar-se de figura típica de difícil concretização, não só pela necessidade de dolo específico por parte do agente público competente (inteligência do artigo 1º, §1º, da Lei nº 13.869/19) como também pela necessária recalcitrância, pela autoridade, na correção de eventual excesso após alertada pela parte interessada, este último aspecto deveras relevante na medida em que, na prática, dificilmente uma omissão dessa ordem ocorreria, ao menos não sendo de nosso conhecimento situações dessa natureza nas milhares de execuções fiscais em que já atuamos. Vale dizer, nas vezes em que um bloqueio eletrônico de valores sobrevém em montante superior àquele correspondente ao quantum debeatur, difícil admitir como verossímil a hipótese em que mesmo após alertada de eventual excesso indevido a autoridade judiciária insistirá na manutenção do bloqueio excessivo apenas por perseguição, vingança, capricho ou qualquer outra motivação semelhante e passível de enquadramento na previsão do artigo 1º, §1º, da Lei nº 13.869/19, não sendo este, de fato, o perfil das autoridades judiciárias no cotidiano forense, necessário reconhecer.

Ao mencionar expressamente “ativos financeiros”, resta excluída da tipificação penal a constrição de outros bens diversos de tais ativos, de modo que não é qualquer excesso de penhora que poderá ensejar a caracterização do crime [3], senão apenas o excesso de constrição em face de dinheiro e outros ativos como, por exemplo, ações, títulos, cotas de fundos de investimentos, aplicações, criptomoedas [4] etc. Nessa perspectiva, as atenções se voltam sem dúvida alguma ao mecanismo amplamente conhecido como “penhora on line“, voltado à indisponibilidade de ativos financeiros de um devedor e que se caracteriza como modalidade preferencial de constrição de bens por inteligência do disposto na legislação federal vigente (LEF, artigo 11, I; CPC, artigos 835, I, 837 e 854) e consoante o entendimento jurisprudencial prevalente (vide: STJ, 1ª Seção, REsp 1.184.765/PA e REsp 1.337.790/PR — ambos recursos repetitivos), atualmente operacionalizado pelo “SisbaJud” que, lançado em 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em cooperação técnica com o Banco Central (BACEN) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), veio a substituir o antigo “BacenJud”, não mais em operação [5].

Uma primeira observação amparada naquilo que não raras vezes ocorre em variados processos consiste na hipótese em que, por alguma razão (ex: débito parcialmente sub judice em outro processo sem suspensão da respectiva exigibilidade) a autoridade judiciária resolve manter o um dado valor constrito que, posteriormente, se revela superior àquele ao final reputado como efetivamente devido. Tomando-se como parâmetro um processo executório fundado, portanto, em título executivo cujo crédito nele representado possui presunção de certeza e liquidez [6], força convir que ainda que o débito (comum ou fiscal) esteja sob discussão em outro processo judicial (ex: uma ação anulatória sem liminar), tecnicamente nada obsta a que o juízo da execução determine uma indisponibilidade de ativos no valor que naquele momento se revela devido e exigível, isto é, se revela presumidamente líquido e certo, ainda que posteriormente se apure um excesso passível de redução ou ajuste sem que, entretanto, se possa acoimar de penalmente ilícita a constrição anteriormente realizada. Reforça nosso entendimento a noção de ato jurídico perfeito — do qual o ato processual é uma categoria — bem como o disposto no artigo 4º do Código Penal [7], em função do qual não se poderá cogitar qualquer crime por parte da autoridade judiciária se no momento da conduta por ela praticada a medida processual revelou-se plenamente legítima à luz dos elementos de análise então disponíveis.

Do mesmo modo, não se poderá acoimar de indevido um bloqueio que, impugnado pelo devedor, vem a ser objeto de apreciação judicial e mantido pela autoridade judiciária em decisão devidamente fundamentada que, no entanto, vem a ser posteriormente reformada pela segunda instância por alguma razão dissociada daquela tomada em consideração pelo juízo de primeiro grau, e isso porque se devidamente explicitadas as razões de convencimento da autoridade para manutenção do bloqueio no montante tal qual constrito, eventual divergência de entendimento não terá o condão de tornar ilícita a decisão originária porventura reformada, não só pela natural amplitude da argumentação jurídica [8] como também por inteligência do artigo 1º, §2º, da Lei nº 13.869/19, que veda o chamado “crime de hermenêutica” nos seguintes termos: “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade”. Sob tal perspectiva, resta preservada a liberdade cognitiva e decisória da autoridade judiciária e de conseguinte excluída a tipicidade penal, sem prejuízo de eventual caracterização de abuso diante de uma interpretação teratológica ou patentemente descabida.

Outra situação bastante comum, sobretudo nas execuções fiscais, é aquela em que num dado processo sobrevém o bloqueio eletrônico de valores em patamar superior — às vezes, bastante superior — ao valor do débito em cobrança naquele específico processo, mas o devedor possui diversos outros débitos perante o mesmo credor distribuídos em outras ações em trâmite regular, perante o mesmo ou perante juízos diferentes. Nestas situações, uma análise mais apressada poderia sugerir um excesso que, por ser meramente aparente, jamais poderá ensejar a caracterização do crime do artigo 36 da Lei nº 13.869/19, ainda que a parte devedora alegue suposto excesso na constrição judicial em relação ao débito exequendo, e isso porque um bloqueio ou penhora de valores num dado processo garante não apenas o débito ao qual se refere diretamente, mas todo o passivo ativo e exigível em face do devedor, destacando-se neste mesmo sentido as lições de consagrada doutrina sobre o tema para a qual: “uma única penhora garante todas as execuções contra o mesmo devedor, ainda que o montante do crédito fazendário esteja distribuído entre vários processos de execução fiscal” [9].

Portanto, a análise do excesso ou não da constrição judicial de ativos financeiros deverá tomar como parâmetro não só o valor do específico débito em execução, mas o valor de todo o passivo ativo e exigível naquele momento por imperativos de efetividade da tutela jurisdicional executória e garantia do interesse do credor, o que no específico caso das execuções fiscais encontra amparo na inteligência do artigo 28 da Lei nº 6.830/80 — na hipótese de execuções apensadas — e no artigo 53, §2º, in fine, da Lei nº 8.212/91 — independente de eventual apensamento —, bem como na jurisprudência do col. Superior Tribunal de Justiça (vide e.g. REsp 1.319.171/SC, AgRgREsp 1.414.778/SP e AgInt-REsp 1.736.354/SC) de cujos precedentes se destaca o seguinte como possível leading case sobre o tema:

“EXECUÇÃO FISCAL. PRINCÍPIO UNIDADE DA GARANTIA DA EXECUÇÃO. ARTIHO 28 DA LEI 6.830/80. LIBERAÇÃO DE PENHORA. EXISTÊNCIA DE OUTRAS EXECUÇÕES CONTRA O MESMO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 53, §2° DA LEI 8.212/91. (…). Ainda que diante de pagamento integral logo após a citação, os bens penhorados liminarmente não devem ser liberados; caso haja outras execuções pendentes, é razoável admitir que o excesso de penhora verificado num processo específico também não seja liberado quando o mesmo devedor tenha contra si outras execuções fiscais não garantidas. O §2° do artigo 53 da Lei 8.212/91 vem em reforço do princípio da unidade da garantia da execução, positivado no artigo 28 da LEF” (STJ, 2ª T., REsp 1.319.171/SC, DJe 11.09.2012).

O entendimento acima exposto afigura-se consentâneo à principiologia do direito processual contemporâneo e há de ser considerado como elemento a ser ponderado diante de eventual análise da caracterização ou não do tipo penal do artigo 36 da Lei nº 13.869/19, não se podendo apreciar eventual alegação de excesso da medida judicial de indisponibilidade de ativos financeiros tomando como referência apenas e tão somente o específico débito vinculado ao processo onde promovida tal constrição, o que traduziria análise apressada e parcial do fato, antes devendo-se considerar o valor total e consolidado dos débitos ativos e exigíveis do devedor perante o mesmo credor-exequente por imperativos de adequado atendimento ao princípio do interesse do credor (CPC, artigo 797) e desejada efetividade da tutela jurisdicional executória, e se o passivo total exigível for superior ao quantum bloqueado o excesso será apenas aparente e a manutenção da constrição acautelatória ou executória pela autoridade judiciária jamais poderá traduzir qualquer conduta criminalmente sindicável nem a fortiori punível.

Portanto, relevante ter presente que o bloqueio ou penhora de ativos financeiros, ademais do expresso amparo legal, constitui mecanismo legítimo e indispensável para conferir efetividade à própria tutela jurisdicional garantida na Constituição Federal no artigo 5º, XXXV, que consagra o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional; outrossim, cumpre não olvidar que a finalidade última da Lei nº 13.869/2019, ao disciplinar os crimes de “abuso de autoridade”, é justamente a de prevenir e punir apenas aquelas condutas mais graves e que impliquem efetivo abuso no exercício da função pública — incluída a função jurisdicional —, não podendo servir de instrumento de intimidação dos agentes públicos — inclusive juízes — para os quais se faz necessário uma margem de liberdade na avaliação dos casos que lhe são submetidos em sua atuação funcional, e sob tais perspectivas é que o tipo penal do artigo 36 da Lei nº 13.869/19 há de ser analisado, partindo-se do pressuposto da legitimidade da medida constritiva e independência técnica da autoridade judiciária na adoção de tal providência que, somente quando patentemente infundada ou manifestamente ilegítima é que poderá ensejar perquirição acerca da caracterização ou não do abuso, sob pena de restar prejudicada a desejada satisfação de pretensões legítimas e seriamente comprometido o próprio exercício da função jurisdicional.

Estas, enfim, as considerações fundadas na nossa experiência prática e que, esperamos, contribuam para um adequado esclarecimento de algumas das variáveis presentes na análise da questão inicialmente proposta.

[1] Para um estudo do artigo 36 da Lei nº 13.869/19 sob tal perspectiva didática, vide: SOUZA, Rennee do Ó. Leis penais especiais comentadas, 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, pp. 2294-2296.

[2] Não por outra razão que, logo após a publicação da Lei nº 13.869/19, diversos magistrados de primeira instância passaram a indeferir pedidos de bloqueio eletrônico de valores pelo receio de incorrer no crime do artigo 36 da referida lei, o que acabou ensejando pronta revisão pelos tribunais respectivos que, no geral, reconheceram a legitimidade da medida executória em questão e rechaçaram a possibilidade de enquadramento típico apenas e tão somente pela determinação de indisponibilidade de bens devidamente amparada na legislação vigente. A título de exemplo, confira-se os seguintes julgados que bem retratam a questão: TJSP, AI 2093495-69.2020.8.26.0000; TJDFT, AI 0720800-75.2019.8.07.0000; TJMG, AI 5086267-52.2020.8.13.0000; TJRS, AI 0049379-02.2020.8.21.7000; TJAP, AI 0000774-74.2020.8.03.0000; TJGO, AgIn 0048196-98.2020.8.19.0000. A propósito, registre-se que a constitucionalidade do referido art. 36 da LAA encontra-se sub judice no Supremo Tribunal Federal na ADI 6.236/DF ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB.

[3] Como por exemplo a comum situação em que ocorre penhora de imóvel de valor superior ao valor da dívida, amplamente admitida pela jurisprudência.

[4] Em que pese alguma divergência ainda existente, no momento presente já se destacam alguns precedentes admitindo a penhora de bitcoins e outras criptomoedas, conforme se vê nos seguintes julgados do eg TJSP: AgIn 2078683-51.2022.8.26.0000, AgIn 2093151-88.2020.8.26.0000, AgIn 2212988-06.2021.8.26.0000, AgIn 2172207-39.2021.8.26.0000.

[5] A Recomendação CNJ nº 51/2015 preconiza o uso preferencial do “bacenjud” — atual “SisbaJud” — para a transmissão de ordens judiciais de bloqueio/penhora às instituições financeiras em geral. Para maiores esclarecimentos quanto ao funcionamento do referido sistema, confira-se: “https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/sisbajud” (acesso em 05.07.2022, às 19:10 hs).

[6] A propósito, vide: artigo 786 do CPC e artigos 3º da LEF e 204 do CTN.

[7] Segundo o qual: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.

[8] Com efeito, a fundamentação jurídica da decisão judicial poderá basear-se numa ampla gama de argumentos que lhe deem suporte, e desde que tal argumentação seja racional não se poderá acoimá-la de indevida.

[9] FERNANDES, Odmir; CHIMENTI, Ricardo Cunha; ABRÃO, Carlos Henrique; ÁLVARES, Manoel; BOTTESINI, Maury Ângelo. Lei de execução fiscal comentada e anotada, 4ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 386.

 

Fonte: Conjur.

Banco não deve indenizar idosa que levou golpe pelo telefone

O fornecedor de serviços não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, conforme o Código de Defesa do Consumidor.

Com base nesse entendimento, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de indenização por danos morais feito por uma idosa que alegou ter sido vítima de um golpe bancário pelo telefone.

De acordo com os autos, a cliente recebeu uma ligação em que o golpista se passava por funcionário do banco e informava que a conta dela teria sido utilizada para compras de alto valor. Após negar ter efetuado as compras, a idosa recebeu orientações para “limpar um vírus” do aplicativo do banco.

O golpista conseguiu convencer a idosa a retirar R$ 16 mil de sua poupança e transferir para terceiros. Somente após a transação, ela estranhou o fato e percebeu ter caído em um golpe. O banco negou a devolução dos valores, o que motivou o ajuizamento da ação. Entretanto, a Justiça também negou o pedido de restituição dos R$ 16 mil e de reparação por danos morais.

O relator, desembargador Alberto Gosson, destacou a “orientação estranha” de transferência de valores da poupança para contas em nome explícito de terceiros, que sequer a autora conhecia, “em descompasso absoluto com qualquer prática que pudesse ser justificada pelas circunstâncias”.

Assim, diante do quadro apresentado, o magistrado afirmou não ser possível imputar responsabilidade à instituição financeira, “havendo enquadramento explícito no disposto no inciso II, do § 3º, do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor”.

O dispositivo estabelece que o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, como ocorreu na hipótese dos autos. A decisão foi por unanimidade.

 

Fonte: ConJur