Relatores consideram inconstitucionais restrições ao transporte individual por aplicativos

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski. O Plenário analisa dois processos que discutem a validade de leis de Fortaleza e de São Paulo sobre a matéria.

Os ministros Luiz Fux e Roberto Barroso, relatores, respectivamente, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 449) e do Recurso Extraordinário (RE) 1054110, votaram na sessão desta quinta-feira (6) no sentido da inconstitucionalidade de leis que restringem ou proíbem a atividade de transporte individual de passageiros por meio de aplicativos. Após o voto dos relatores, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski.

Na ADPF 449, ajuizada pelo Partido Social Liberal (PSL), o objeto de questionamento é a Lei 10.553/2016 de Fortaleza (CE), que proíbe o uso de carros particulares, cadastrados ou não em aplicativos, para o transporte remunerado individual de pessoas e prevê multa de R$ 1.400 ao condutor do veículo. O RE 1054110, com repercussão geral reconhecida, foi interposto pela Câmara Municipal de São Paulo (SP) contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal 16.279/2015, que proibiu o transporte nesta modalidade na capital paulista. Os dois relatores votaram pela procedência da ADPF e pelo desprovimento do RE.

Vulneração de princípios

Para o ministro Luiz Fux, as leis que restringem o uso de carros particulares para o transporte remunerado individual de pessoas vulneram os princípios da livre iniciativa, do valor social do trabalho, da livre concorrência, da liberdade profissional e, ainda, o da proteção ao consumidor. Tais liberdades, segundo o relator, são fundamentos da República e “não podem ser amesquinhadas”.

Em seu voto, Fux defendeu que a intervenção estatal no funcionamento econômico do mercado deve ser mínima, sobrepondo-se apenas a iniciativas autoritárias destinadas a concentrar privilégios ou impor monopólios. O motorista particular, a seu ver, é protegido pela liberdade fundamental e se submete apenas à regulação definida em lei federal. E, no caso, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014, artigo 3º, inciso VIII) e a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012) garantem a operação de serviços remunerados de transporte de passageiros por aplicativos.

Com relação especificamente ao Uber, o ministro avaliou que, de acordo com análises empíricas, sua entrada no mercado não diminuiu a atuação dos táxis. “Os mercados coexistem”, afirmou. Fux ressaltou que o arcabouço regulatório dos táxis, baseado na concessão de permissões a um grupo restrito de indivíduos, não corresponde a qualquer benefício à sociedade. “Ao contrário, provoca restrição oligopolística do mercado em benefício de certo grupo e em detrimento da coletividade”, avaliou.

Para o ministro Fux, a proibição do livre exercício profissional afronta também o princípio da busca pelo pleno emprego (artigo 170, inciso VIII, da Constituição da República), pois impede a abertura do mercado a pessoas interessadas em entrar na atividade em decorrência da crise econômica. “São milhares de pessoas que estavam desempregadas e hoje se dedicam a esse tipo de serviço”, observou. A medida ainda nega ao cidadão, a seu ver, o direito à mobilidade urbana eficiente (artigo 144, parágrafo 10, inciso I, da Constituição Federal).

Inevitabilidade das mudanças

Segundo a votar na sessão de hoje, o ministro Roberto Barroso destacou que a discussão diz respeito a um ciclo próprio do desenvolvimento capitalista em que há a substituição de velhas tecnologias e de modos de produção por novas. “Nesse cenário, é fácil perceber o tipo de conflito entre os detentores dessas novas tecnologias disruptivas e os agentes tradicionais do mercado”, afirmou, citando como exemplo, além do litígio entre aplicativos e táxis, as disputas entre o WhatsApp e as empresas de telefonia, entre a Netflix e as operadoras de TVs a cabo e entre o AirBNB e as redes de hotéis. “Faz parte da inexorabilidade do progresso social haver nova tecnologias disputando com o mercado tradicional, e é inócuo tentar proibir a inovação ou preservar o status quo”, afirmou. “O desafio é como acomodar a inovação com os mercados existentes, e a proibição não é o caminho”.

Assim como Luiz Fux, Barroso destacou que a livre iniciativa é um dos fundamentos do Estado brasileiro, ao lado do valor social do trabalho, e que o modelo previsto na Constituição é o da economia de mercado. “A lei não pode arbitrariamente retirar uma determinada atividade econômica do mercado, a não ser que haja fundamento constitucional”, explicou. “No caso do transporte individual remunerado, não há nenhum princípio que prescreva a manutenção de um modelo específico, e a edição de leis proibitivas pautadas numa exclusividade inexistente do modelo de exploração por táxi não se conforma ao regime constitucional da livre iniciativa”.

O ministro Barroso lembrou que, antes da chegada dos aplicativos, o serviço de táxi desfrutava de um monopólio de fato no setor, e isso gerou persistentes falhas de mercado por falta de competição, como preço fixo alto e má qualidade dos veículos. “Com a chegada da concorrência dos aplicativos, o serviço de táxi sofreu significativas modificações para melhor, com aplicativos para chamada, descontos especiais, frotas modernizadas e novos padrões de atendimento”, exemplificou. “A convivência de regimes distintos de regulação teve impacto positivo na qualidade dos serviços”. Outros aspectos apontados foram a ampliação do direito de escolha do consumidor, o impacto positivo sobre a mobilidade urbana e a redução da emissão de poluentes.

Com relação ao papel dos municípios e do Distrito Federal na regulamentação e na fiscalização do transporte individual de passageiros, o ministro ressaltou que essa competência não pode ser exercitada para interditar, na prática, a prestação desse serviço ao estabelecer medidas anticoncorrenciais nem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal, que tem atribuição privativa na matéria.

Fonte: STF