Autor que omitiu relação contratual com réu é multado por litigância de má-fé

Usar o Judiciário para tentar obter vantagem indevida, mediante a omissão de informações relevantes para o processo, configura litigância de má-fé, pois altera a verdade dos fatos, como sinaliza o artigo 80, inciso II, do Código de Processo Civil. Por isso, a 4ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul manteve decisão que, além de extinguir processo pela ausência do autor e de seus procuradores à audiência de instrução, condenou o proponente por ato atentatório à dignidade da Justiça.

A constatação de má-fé se deu antes da análise do mérito da ação e ficou evidenciada no fato de que a ausência só ocorreu após a parte ré ter conseguido provar a relação contratual com o proponente da ação — fato negado na inicial e essencial para embasar pagamento de indenização por danos morais.

A relatora do recurso inominado, juíza Sílvia Maria Pires Tedesco, assinalou que não houve pedido de desistência — como queria fazer crer a defesa do autor —, mas a extinção pela ausência injustificada da parte e seus procuradores à audiência de instrução.

‘‘Sendo assim, acertada a decisão proferida pela magistrada de origem que, repito, atentou-se ao fato que se apresentou naquela jurisdição, obstando, assim, que se perpetue situações como a dos autos. De outra parte, mostra-se adequada o percentual arbitrado a título de multa dada a gravidade da situação posta aos autos’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 27 de abril.

Ação declaratória
O autor ajuizou ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais contra um provedor de internet por suposta inscrição indevida de seu nome em cadastro negativo de crédito. Simplesmente, alegou inexistência de relação contratual com a parte ré.

A empresa no entanto, afirmou que o autor não apresenta qualquer comprovante de pagamento do débito inscrito no cadastro negativo. Logo, deixa de produzir prova mínima da existência do direito alegado.

Intimados, a parte autora e os advogados não foram à audiência de instrução. O juízo considerou a ausência uma ‘‘manobra processual’’ para evitar a condenação por litigância de má-fé, já que a ré conseguiu provar a contratação dos serviços de internet/telefonia por parte do autor. Assim, por alterar a verdade dos fatos no processo, o autor acabou condenado por litigância de má-fé, conforme prevê o inciso II do artigo 80 do Código de Processo Civil, e a pagar as despesas processuais (custas e honorários advocatícios). A ação foi extinta sem resolução de mérito.

‘‘Isso posto, condeno o autor nas penas de litigância de má-fé, no percentual de 9% do valor corrigido da causa, a título de multa. (…) Quanto à conduta dos procuradores do autor, encaminhe-se ofício à OAB – Subseção de Viamão, acompanhado de cópia integral dos presentes autos, a fim de que sejam tomadas as providências cabíveis’’, anotou a julgadora no despacho.

Recurso inominado
Inconformado, o autor interpôs recurso inominado junto às turmas recursais cíveis dos JECs. Discorreu, inicialmente, a respeito do acesso à Justiça como direito fundamental. Alegou que, acolhido o pedido de desistência, não mais cabia à juíza adentrar ao mérito da questão posta aos autos, muito menos aplicar multa por litigância de má-fé, pois não ficou comprovada a conduta maliciosa ou abusiva.

Inexistindo análise de mérito, tampouco a produção de prova por qualquer das partes, argumentou, não se poderia presumir que a demanda seria manifestamente improcedente, sequer que as alegações expostas na inicial teriam sido distorcidas. O autor disse ainda que a mera imprudência ou simples imperícia não caracteriza lide temerária. Pediu o provimento do recurso, reconhecendo a impossibilidade de julgamento de mérito diante do pedido de desistência, afastando a multa por litigância de má-fé.

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