“O Direito do Trabalho é protecionista, mas a Justiça do Trabalho não pode ser”

Ao exigir que o empregado pague verbas processuais, como honorários de sucumbência da empresa, se for derrotado em uma reclamação, a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) acaba com o “protecionismo exacerbado” ao trabalhador, sem limitar seu acesso à Justiça. Essa é a opinião do desembargador do Trabalho aposentado Nelson Tomaz Braga, sócio do N. Tomaz Braga & Shuch Advogados Associados.

“O Direito do Trabalho é protecionista, mas a Justiça do Trabalho não pode ser. O Direito pode ser protecionista, ele foi forjado para proteger o empregado, mas o juiz tem que ter o discernimento de aplicar as regras como elas devem ser aplicadas.”

Para Tomaz Braga, que foi presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), a imposição de custas ao trabalhador derrotado vai moralizar os pedidos em ações, pois ele pode sair prejudicado.

Na visão do magistrado aposentado, o advogado que fizesse pedidos exagerados e indevidos deveria ser condenado ao pagamento dessas verbas junto com o seu cliente. “O profissional tem que ter responsabilidade.”

Em entrevista à ConJur, Nelson Tomaz Braga também defendeu o fim gradual do imposto sindical obrigatório e afirmou que magistrados devem pensar na continuidade das empresas antes de proferir decisões.

Leia a entrevista:

ConJur — A comissão do Tribunal Superior do Trabalho encarregada de analisar a reforma trabalhista preferiu não emitir um parecer. Deliberou que os processos devem ser examinados caso a caso. Como interpretar essa decisão?
Nelson Tomaz Braga
Os ministros estão com um pouco de cautela, pois é uma legislação nova. Quando os ministros tomam uma posição, eles balizam o tema para todo o país. Porque se um juiz não segue a orientação do TST pode prejudicar uma parte. O juiz pode divergir do TST, mas, para a disciplina judiciária, é recomendável que acompanhe o entendimento do TST, para não prejudicar uma parte e forçar a interposição de mais recursos. O juiz tem que ter a humildade de se posicionar e não querer fazer prevalecer o ponto de vista dele. Mas cada caso é um caso.

ConJur — Acontece o mesmo com a reforma trabalhista em geral?
Nelson Tomaz Braga
Olha, pode ser, porque a reforma trabalhista é muito recente. Eu acredito muito na reforma. Penso que ela vai ser um gerador de empregos, vai dar um balizamento muito bom para esse país. Nós estávamos precisando de uma mexida — aliás, estamos precisando de uma mexida geral no país, não é? E a reforma veio para colocar tudo em seu lugar, ajudando empregados e empregadores. Agora, eu tenho um sentimento assim de que ela só vai se consolidar daqui a uns cinco anos. Porque nós vamos ter muitas discussões, começando na primeira instancia, depois indo para os tribunais regionais do trabalho e chegando ao TST.

Mas acho que ela vai se consolidar bem. Uma das coisas muito importantes dessa reforma é a prevalência do negociado pelo legislado. Isso foi um grande avanço. É a vontade da parte. É a parte que tem que dizer o que quer e o que não quer, não pode ser como a Justiça do Trabalho interpreta alguns casos, com base no in dubio pró-operário. Tudo tem o caminho do centro. O centro é melhor caminho para dirimir dúvidas e consolidar os entendimentos.

ConJur — O fim da contribuição sindical não pode asfixiar os sindicatos e, com isso, enfraquecer os trabalhadores?
Nelson Tomaz Braga
O tempo resolve tudo. Foi bom esse balizamento do imposto sindical obrigatório. O Supremo acabou com ele, e decisão do Supremo se cumpre. Mas, no meu ponto de vista, tinha que haver um lapso temporal para isso. Vamos dizer assim: tantos por cento num ano, tantos por cento no outro ano, tanto no outro ano, até extinguir o pagamento obrigatório. Ao fim de cinco ou 10 anos, a situação estaria consolidada.

ConJur — Deveria ter tido uma modulação?
Nelson Tomaz Braga
Sim, inclusive para se ver quais são os sindicatos que realmente têm representatividade. A contribuição voluntária vai fortalecer os bons sindicatos. Agora, os sindicatos de aluguel, outros tipos de sindicatos que nós escutamos aí muitos adjetivos, esses ela não vai ajudar. Com o tempo, esses sindicatos vão sucumbir, porque eles estão muito acostumados a muito dinheiro. Agora, os verdadeiros vão ficar, sejam grandes ou pequenos.

ConJur — Que tipo de medida poderia ter entrado na reforma trabalhista e não entrou?
Nelson Tomaz Braga
Eu sou fã dessa reforma trabalhista. Eu não faço criticas à reforma. Ela veio para ajudar o Brasil a crescer. Ela colocou as coisas dentro dos eixos. Ela acabou com a gratuidade de Justiça, que é uma coisa muito importante, porque, antes, o advogado chegava com o autor da ação e eles pediam o céu, a terra e o mar, pediam tudo, e não tinha sanção. Hoje, não. Hoje a lei impõe uma sanção. Eles respondem pelo que fizeram. Se entrarem com ação pedindo o que não deveriam e perderem, vão pagar custos de perícia, honorários advocatícios.

ConJur — Mas isso não pode acabar limitando o direito de ação dos trabalhadores mais pobres?
Nelson Tomaz Braga
Não vejo dessa forma. Eu vejo que está dando uma oportunidade a todo mundo. E tem que ser dada oportunidade, tem que acabar com o protecionismo exacerbado. O Direito do Trabalho é protecionista, mas a Justiça do Trabalho não pode ser. O Direito pode ser protecionista, ele foi forjado para proteger o empregado, mas o juiz tem que ter o discernimento de aplicar as regras como elas devem ser aplicadas.

ConJur — A questão dos honorários sucumbenciais vai diminuir a procura pelo litígio?
Nelson Tomaz Braga
Não, ela vai moralizar os pedidos. O trabalhador vai pensar antes de ir à Justiça, porque ele e o advogado podem sair prejudicados. Há muito tempo, eu defendi uma tese no tribunal, que nunca foi vitoriosa, de condenar o advogado junto com o empregado que pleiteasse coisas que não eram devidas. O profissional tem que ter responsabilidade.

ConJur — A queda no número de ações trabalhistas é uma razão válida para a reforma?
Nelson Tomaz Braga
Eu estou meio desconfiado dessa queda. Pelo contrário, eu acho que aumenta um pouco a demanda porque a pessoa sabe que tem direito. Aumenta a demanda dentro dos padrões da nova legislação. O que pode cair são aquelas aventuras.

ConJur — Ou seja, melhora a qualidade das ações trabalhistas.
Nelson Tomaz Braga
Isso, melhora a qualidade das ações.

ConJur — A reforma deve valer para contratos assinados antes de ela entrar em vigência? Uma comissão do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que não.
Nelson Tomaz Braga
Eu respeito o entendimento do TST, mas imagine um processo que começou em 1950, 1960, 1970 e vem caminhando. Por que não se pode aplicar a regra? Eu entendo que deve valer.

ConJur — Mesmo que ela seja uma espécie de reformatio in pejus para o empregado?
Nelson Tomaz Braga
Reformatio in pejus é muito difícil de acontecer, geralmente o juiz não dá uma reformatio in pejus. Eu nunca dei uma reformatio in pejus.

ConJur — Uma ação direta de inconstitucionalidade no STF questiona a regra da reforma trabalhista que permite o trabalho insalubre para grávidas e lactantes, exceto nos casos de laudo recomendando o afastamento. O que o senhor pensa dessa permissão?
Nelson Tomaz Braga —
Nós temos que pensar no futuro do país, correto? A gestante está trazendo um nascituro para o país. Então nós temos que pensar na saúde dele já lá no ventre materno. Não podemos concordar com isso. Porque a proteção do nascituro é fundamental.

ConJur — Como o senhor avalia a dispensa da negociação com o sindicato para demissão em massa de trabalhadores?
Nelson Tomaz Braga
Essa é uma questão de cada sindicato. Veja bem, se a empresa tem que demitir para não fechar, é preciso chegar a um ponto comum, a um acordo. Porque uma coisa é não demitir e acabar com a empresa, e outra coisa é demitir e conseguir que a empresa continue avançando, com os outros que lhe restaram. Quando eu presidi o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), as empresas podiam chegar na corte e dizer: ‘Eu estou em estado de insolvência’. Porque toda hora tinha um mandado de segurança, alguém penhorava sua renda, era um inferno. Eu criei um termo — segundo o desembargador Ayoub, eu fui precursor da recuperação judicial — em que as partes acertavam com o tribunal 30% da sua renda. Isso serviu para a Beneficência Portuguesa, para clubes de futebol, e até hoje é aplicado, lógico que com seus aperfeiçoamentos.

Nós tínhamos que tirar as empresas do buraco para poder preservar empregos. Então eu fiz essa centralização de execuções, em que a pessoa depositava um certo percentual de sua renda por mês para ir pagando as execuções que tinha. Quer dizer, foi uma recuperação de empresas. E isso deu certo e vem dando certo até hoje. A obrigação do legislador é olhar para a frente. Ele não pode ficar olhando para a cadeira que ele está sentado e pensar que parou ali. Não, tem que projetar o futuro. E eu procurei fazer isso, não só no tribunal, como no Conselho Nacional de Justiça.

ConJur — Como o senhor avalia o trabalho intermitente?
Nelson Tomaz Braga
Essa foi uma das grandes conquistas. É uma grande conquista porque atende a parte. Trabalho intermitente atende a parte. O empregado não tem aquela obrigação de tempo, ele faz o que tem que fazer e pronto.

ConJur — Como o senhor vê o papel exercido hoje pelo Ministério Público do Trabalho?
Nelson Tomaz Braga
O Ministério Público do Trabalho exerce bem a sua função. Alguns extrapolam um pouco, como em toda instituição. É um trabalho relevante, mas devemos ter cautela.

ConJur — Que tipo de atuação o senhor acha que configuraria abuso?
Nelson Tomaz Braga
Às vezes o Ministério Público se imiscui em procedimentos dentro da empresa nos quais ele não tem direito de se imiscuir. Então, às vezes o Ministério Público foge um pouco da sua função.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o entendimento do MPT de que as sociedades por cotas uniprofissionais, como as de advogados, camuflam relações de emprego e fraudam a legislação trabalhista?
Nelson Tomaz Braga —
O Ministério Público tem o direito de falar o que quiser falar, tem direito de opinar como quiser. Dentro de um processo, o Ministério Público tem um papel opinativo. Se eu sou juiz, aceito ou não o entendimento deles.

ConJur — O MPT vem questionando bastante a figura do advogado associado. Para o órgão, vários escritórios enquadram advogados dessa forma para camuflar relação de emprego. Isso é um abuso do MPT?
Nelson Tomaz Braga
O Ministério Público tem mais coisas para se importar. Quem tem um diploma universitário sabe o que está fazendo. Ninguém está sendo coagido a fazer nada. O Ministério Público deveria se preocupar mais com as pessoas mais carentes, que precisam de sua ajuda. Advogado sabe o que está fazendo. Tem um curso universitário, passou cinco anos na faculdade. E eu te pergunto: é coitadinho, é hipossuficiente?

ConJur — Após quase 25 anos na magistratura, como foi voltar para a advocacia?
Nelson Tomaz Braga
Encontrei uma advocacia muito diferente, eu tive que me adaptar. O juiz está muito habituado a mandar. Quando eu via o advogado sustentando, eu já sabia o meu veredito. Às vezes, eu dizia: ‘Ddoutor, não precisa sustentar’ e adiantava o voto, ‘o senhor está ganhando isso, isso, isso, satisfaz ou não satisfaz?’. Eu tive o privilégio de ver os dois lados da balança. E acho que isso é um grande privilégio — você não ficar com sua mente distorcida.

ConJur — Como o senhor compara a sua geração de trabalhistas advogados com a atual?
Nelson Tomaz Braga
Eu tive uma advocacia romântica. Uma advocacia que era competitiva, mas romântica, com muito respeito entre os colegas. E eu encontrei agora uma advocacia um pouco diferente, um pouco mais arrojada, com mais pressa de resolver as coisas.

ConJur — Em termos de qualificação técnica, como o senhor compara essas duas gerações?
Nelson Tomaz Braga
As duas são equivalentes.

ConJur — Como o senhor avalia o Judiciário no Brasil hoje?
Nelson Tomaz Braga
Eu avalio de forma altamente positiva o Judiciário. O Judiciário tem dado governabilidade. O Judiciário hoje está desempenhando um papel muito importante para a democracia no Brasil.

ConJur — Então o Judiciário está trazendo mais estabilidade do que instabilidade?
Nelson Tomaz Braga
Sim. Agora tem muita gente que deturpa as coisas ou não as entende. Eu tive o privilegio de conviver com muita gente que hoje está no Supremo, que está no Superior Tribunal de Justiça, e vejo a preocupação e sinceridade deles em acertar.

 

Fonte: ConJur