As deserções nos Juizados Especiais Cíveis

As deserções nos Juizados Especiais Cíveis

Márcio Aguiar

Deserção sem complementação: A emboscada processual que mata o duplo grau de jurisdição.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Talvez eu escreva ‘com o fígado’ aqui neste artigo, mas o que chamo de ‘princípio da emboscada processual’ – a multiplicação de deserções por vícios formais – tem deixado o sistema processual à beira do descontrole.

O fato, hoje incontestável, já com algumas vozes mais elevadas e roucas, é de que essa prática converte minúcias em sentenças e transforma a tecnologia e os procedimentos administrativos em instrumentos de exclusão, quando deveriam ser meios de inclusão. É importante reverter esse quadro, independentemente da via, seja ela interpretativa, administrativa e/ou legislativa, para que a celeridade não se sobreponha às garantias constitucionais, como vem acontecendo.

Mais relevante que o enunciado 80 do FONAJE é a prática corrente, tecnocrática e por vezes automatizada de declarar deserção do recurso inominado sem oportunizar a complementação do preparo. Essa prática configura o que aqui denomino de “princípio da emboscada processual”: minúcias materiais transformadas em armadilhas que privam o jurisdicionado do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Celeridade é desejável, sempre, mas é princípio instrumental. Daí a ideia óbvia de que nunca se pode legitimar dois pesos e duas medidas nem erigir barreiras ao acesso à Justiça.

O nó real: Deserção sem direito de complementação

A lei 9.099/1995 (art. 42, §1º) fixa 48 horas para o recolhimento do preparo; o CPC/15 (art. 1.007, §2º) prevê, no rito comum, possibilidade de intimação para complementação. O problema surge quando, no rito especial, se declara a deserção sem oportunizar qualquer regularização. Pequenas diferenças, guias divergentes, falhas de sistema, erros materiais e, em regra, sanáveis tornam-se causas de extinção recursal. Essa transformação de equívocos em sentença prévia é a essência da emboscada processual: uma armadilha, em muitos casos, que embora feita de centavos, derruba o direito de recorrer.

Hierarquia de princípios: Por que a celeridade não decide sozinha(?)

A celeridade é princípio constitucional e valor instrumental (art. 5º, LXXVIII), porém não ocupa o mesmo plano normativo das garantias fundamentais (arts. 5º, LIV e LV; art. 5º, XXXV). Quando há colisão, a valoração se faz pelos critérios de compatibilização e proporcionalidade: devem predominar as garantias constitucionais essenciais (ampla defesa, contraditório e acesso ao duplo grau). Em termos práticos: celeridade não pode invalidar o recurso quando a aplicação da regra processual implica violação dessas garantias.

Quem “pesa mais” na balança?

A resposta, permitam-me e perdoem-me a soberba analítica, é muito óbvia. Claramente os princípios constitucionais que asseguram direitos fundamentais têm primazia sobre princípios instrumentais administrativos. Assim, o dever de proteger o duplo grau e o contraditório “pesa mais” que o imperativo administrativo de acelerar o trâmite.

Fundamento processual e coerência sistêmica: Subsidiariedade do CPC

A aplicação supletiva do CPC aos Juizados não é extravagância hermenêutica, mas exigência de coerência normativa. O art. 1.007, §2º do CPC – intimação para complementação do preparo quando o vício for sanável – responde exatamente à necessidade de evitar que formalismos mutilantes anulem recursos. Aceita-se supletividade em tutela antecipada, contagem de prazos e admissibilidade de agravo; negar-se-ia razão ao mesmo tratamento no preparo recursal por mera conveniência de celeridade?

A tecnologia como instrumento ou como carrasco processual

A digitalização e a automação devem ampliar a justiça; quando não são desenhadas com critérios de equidade, transformam algoritmos em carrascos. Sistemas que disparam declarações automáticas de deserção sem distinguir vício material de má-fé convertem rapidez em crueldade. A tecnologia precisa conter mecanismos de retificação célere: alertas, janelas eletrônicas para complementação e comprovantes únicos que permitam correção sem atropelo do direito.

Jurisprudência, uniformização e a via preventiva

Decisões do STJ e de turmas recursais têm relativizado deserção automática, impondo intimação para complementar o preparo (vedete: AREsp 2.638.376/MG; REsp 1.996.415/MG; REsp 1.818.661/RS). A admissão de pedido de uniformização pelo TJ/SP, com suspensão de feitos e tese submetida: “Preparo recursal nos Juizados Especiais – não recolhimento ou recolhimento insuficiente – possibilidade de aplicação subsidiária do art. 1.007 do CPC” – é medida prudente e constitucionalmente necessária para estancar a emboscada.

Teste da proporcionalidade como bússola decisória

Qualquer solução que restrinja direitos deve satisfazer adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Declarar deserção automática por erro mínimo falha nesse crivo: não é adequada nem necessária à celeridade que impõe prejuízo desproporcional ao direito de defesa.

Concluo com um apelo – Até quando?

O verdadeiro risco ao microssistema dos Juizados não é apenas um enunciado: é a prática que converte minúcias em sentença final. O princípio da emboscada processual deve ser desarticulado por interpretação conforme a Constituição, por uniformização judicial, por ajuste administrativo e por legislação clara. Restaurar a simetria entre forma e substância, de modo que a rapidez esteja sempre ao serviço da justiça, e não de sua frustração, é obrigação republicana.

Velocidade sem justiça é mero espetáculo; técnica sem equidade é violência institucional. Não podemos permitir que a celeridade, legítima enquanto ferramenta, se transforme em fundamento para o sacrifício das garantias constitucionais. Romper a emboscada processual é reafirmar que o processo existe para realizar direitos, não para fabricá-los em função de formalismos. A opção clara e obrigatória é proteger o duplo grau, garantir a oportunidade de complementação e usar a tecnologia para ampliar, não para extinguir o acesso à Justiça.

Márcio Aguiar

Márcio Aguiar
Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

Fonte: Migalhas link: https://www.migalhas.com.br/depeso/445041/as-desercoes-nos-juizados-especiais-civeis

Sanção contra litigância abusiva precisa doer no bolso do advogado

Há já algum tempo que o Poder Judiciário brasileiro vem identificando casos de litigância abusiva, e o tema tem sido objeto de bastante reflexão. A matéria já é, inclusive, objeto de uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (Recomendação 159/2024), e tem chamado a atenção também da doutrina. O objetivo deste texto é apresentar duas breves considerações: a primeira, buscando identificar a litigância abusiva, distinguindo-a da litigância de má-fé e da litigância de massa. A segunda, para falar de possíveis sanções aplicáveis nos casos em que se identifica a prática desse ilícito.

Pois em primeiro lugar, é preciso determinar o que se entende por litigância abusiva. E para isso é preciso entender que ela tem duas características fundamentais: ela é, ao mesmo tempo, uma litigância repetitiva e ilícita. Explique-se melhor o que se quer dizer: há casos de litigância individual ilícita. É o que se tem quando em um determinado processo uma das partes pratica algum dos atos que a lei tipifica como sendo litigância de má-fé ou como ato atentatório à dignidade da justiça. Nesses casos, a conduta ilícita é praticada de forma isolada, dentro de um processo individualmente considerado. A essas situações se pode chamar, genericamente, de litigância de má-fé.

Há, além disso, casos de litigância de massa, repetitiva, mas totalmente lícita. É o que se tem, por exemplo, naqueles casos em que ocorre um evento de grandes proporções e que atinge um número muito grande de vítimas (bastando lembrar, entre outros, das tragédias de Brumadinho e de Mariana). Nesses casos normalmente acontece de serem ajuizadas, de forma totalmente lícita, muitas demandas, contadas muitas vezes na casa dos milhares ou – como já ocorreu nos casos envolvendo expurgos inflacionários — dos milhões, e que são massificadas, repetitivas, por veicularem pretensões isomórficas (ou seja, formalmente idênticas).

Este fenômeno, absolutamente lícito, exige um sistema de gerenciamento de processos, a fim de evitar não só que se tenha um incremento evidentemente indesejável da morosidade judicial, mas também para assegurar alguma padronização decisória, evitando-se que casos análogos recebam decisões díspares. Mecanismos de padronização decisória, como o incidente de resolução de demandas repetitivas, ou de cooperação judiciária, como a concentração de processos repetitivos, podem ser empregados para esse gerenciamento.

Há, porém, um terceiro fenômeno: o da litigância abusiva, de caráter predatório. Nesse caso, há um número grande de demandas ajuizadas (o que o aproxima da litigância de massa), mas de forma ilícita (o que o aproxima da litigância de má-fé). O fenômeno, porém, não se confunde com nenhum desses outro dois.

Na litigância abusiva, o que se vê é um grande número de demandas sendo ajuizadas, contra o mesmo réu ou contra poucos réus que integrem um mesmo segmento (como instituições financeiras, por exemplo), e normalmente pelo mesmo advogado ou por um pequeno grupo de advogados. As demandas aqui, porém, não são autênticas. O que se tem visto muitas vezes é o ajuizamento dessas demandas sem que o demandante sequer tenha notícia de que aquele processo se instaurou. Têm sido, por exemplo, empregados dados obtidos de forma ilícita (através do assim chamado vazamento de dados), em que se simula uma demanda na qual são empregados dados verdadeiros de pessoas que não sabem que aquelas demandas serão propostas. Empregam-se, às vezes, documentos falsos (como falsos comprovantes de residência, por exemplo), e falsas procurações (que, claro, dão poderes para receber e dar quitação), e se ajuízam aquelas muitas demandas na expectativa de que nem os réus, nem o Poder Judiciário, se darão conta do seu caráter predatório.

Há, porém, indícios dessa abusividade que devem ser observados. A formulação de requerimentos de gratuidade de justiça sem qualquer indicação concreta da situação de hipossuficiência do autor; o fato de as petições iniciais serem formalmente idênticas (só mudando os dados de qualificação das partes); a formulação de alegações muito genéricas; a indicação de um mesmo número de protocolo de atendimento para muitas pessoas diferentes, são apenas alguns dos indícios que podem ser observados. E a inteligência artificial pode ser muito útil na identificação desses indícios, como vem ocorrendo no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, através do emprego de uma inteligência artificial batizada de Bastião [1].

Vê-se, assim, que a litigância abusiva não se confunde com a litigância de má-fé, pois não é episódica, dentro de um processo, mas um fenômeno que se manifesta de modo massificado. E também não se confunde com a litigância de massa, repetitiva, pois esta é lícita, enquanto a litigância abusiva é ilícita.

Pois havendo indícios de litigância abusiva, incumbe ao juiz da causa determinar à parte autora que apresente mais documentos, com o objetivo de comprovar a autenticidade da postulação (Tema Repetitivo 1.198 do STJ). Faço, porém, uma crítica à tese que foi fixada pelo STJ. É que, a meu sentir, no caso de não ser demonstrada a autenticidade da postulação não deve haver extinção do processo por falta de interesse de agir. A meu ver, a questão se põe em um momento anterior da cognição judicial: deve-se considerar, aí, que falta um pressuposto processual de validade, já que a demanda não terá sido regularmente formulada. Seria o caso, então, de extinguir-se o processo sem resolução do mérito com base no artigo 485, IV, do CPC.

Ponto nevrálgico

Há, porém, um dado a considerar, e que me parece fundamental: é que, senão em todos, pelo menos na maioria dos casos, a litigância abusiva se manifesta através do emprego de procurações falsas. Deve-se considerar, então, que o advogado que ajuizou a demanda atuou sem procuração do demandante (e isso, claro, precisa ter ficado demonstrado, sendo importante a realização de diligências para essa verificação, como, por exemplo, determinar-se ao oficial de justiça que encontre pessoalmente o demandante e verifique se ele reconhece aquela procuração, ou que o demandante seja pessoalmente intimado a comparecer à sede do juízo para essa verificação). Pois se o advogado não tem procuração da parte, incide o disposto no artigo 104 do CPC, que prevê a possibilidade – de todo excepcional – de que um advogado postule sem procuração.

Pois quando isso ocorre, incumbe ao advogado, no prazo de 15 dias, exibir a procuração (artigo 104, § 1º). E no caso de não o fazer, conforme determina o artigo 104, § 2º, do CPC, os atos praticados pelo advogado serão reputados ineficazes em relação àquele em cujo nome tenha sido praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos.

Como se vê, então, nesses casos deve haver a condenação do advogado responsável pelo ilícito ao pagamento das despesas processuais. Mas, além disso, o profissional da advocacia será também condenado a reparar perdas e danos. E aqui é preciso fazer uma distinção.

Em primeiro lugar, é preciso considerar a possibilidade de só se verificar o caráter abusivo da demanda depois de o réu já ter sido citado e ter se manifestado no processo. Neste caso, o réu terá direito a uma indenização pelos danos sofridos, os quais terão de ser liquidados nos mesmos autos.

Mas há que se considerar, também, que a litigância abusiva causa danos ao Poder Judiciário. Afinal, há aí uma movimentação não só desnecessária, mas abusiva, do serviço judiciário. Existe todo um custo necessário não só para a instauração e desenvolvimento dos processos, mas também para as diligências que são necessárias para a identificação do caráter abusivo da demanda. Além disso, a grande quantidade de processos que caracterizam a litigância abusiva acaba por gerar uma imensa perda de eficiência do serviço judiciário, uma vez que se gasta tempo e energia para cuidar de processos que nem deveriam existir, o que faz com que se tenha menos eficiência no desenvolvimento dos processos que se instauram licitamente.

Por isso, não tenho dúvida de que nesses casos se deve condenar o advogado que atuou de forma ilícita também a reparar os danos sofridos pelo Poder Judiciário, sendo admissível a liquidação da obrigação nos mesmos autos. E essa indenização a ser paga pelo advogado deverá reverter para os fundos do Poder Judiciário, previstos no artigo 97 do CPC.

Importa destacar que o aludido artigo 97 prevê que serão destinados a esses fundos as sanções pecuniárias processuais destinadas ao Poder Judiciário. Pois normalmente se pensa em sanção como punição, mas não é esta a melhor interpretação. Basta aqui lembrar da clássica advertência de Geraldo Ataliba:

“A sanção não é sempre e necessariamente um castigo. É mera consequência jurídica que se desencadeia (incide) no caso de ser desobedecido o mandamento principal da norma. É um preconceito que precisa ser dissipado – por flagrantemente anticientífico – a afirmação vulgar infelizmente repetida por alguns juristas, no sentido de que a sanção é castigo. Pode ser, algumas vezes. Não o é muitas vezes” [2].

Afinal, como ensina Maurício Benevides Filho, sanção é “consequência positiva ou negativa prevista em [lei] para determinado ato praticado por determinado indivíduo. Realizada certa ação ou omissão prevista na norma jurídica, a retribuição será a aplicação de uma sanção igualmente nela prevista” [3].

Assim, facilmente se percebe que, embora indenizar danos causados não seja propriamente uma punição (e aqui manifesto minha divergência em relação à teoria que reconhece uma função punitiva na responsabilidade civil, ao menos no ordenamento jurídico brasileiro atual), é uma consequência prevista em lei para um determinado comportamento e, portanto, é uma sanção. Assim, inclui-se esta hipótese, também, no campo de incidência do artigo 97 do CPC.

Dizem que o bolso é o único ponto nevrálgico comum a todos os seres humanos. Quem sabe se começar a doer no bolso a litigância abusiva não acaba?


[1] Algumas informações podem ser obtidas, por exemplo, aqui

[2] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: RT, 1973, pág. 38.

[3] BENEVIDES FILHO, Maurício. O que é sanção? Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, vol. 34, n. 1, 2013, pág. 355.

 

Fonte: ConJUr – Breves considerações sobre litigância abusiva

Os excessos da inversão do ônus da prova nas ações de consumo

Limites e exigências à luz do art. 14 do CDC.

 

Não sou fã de brocardos jurídicos, mas vou me corromper, neste específico tema, e utilizar um, apenas porque o encaixe traduz perfeitamente tudo o que tratarei neste modesto artigo.

 

“Quod non est in actis, non est in mundo.”

 

“O que não está nos autos, não está no mundo”.

 

Essa frase, embora de autoria duvidosa (geralmente atribuída à tradição jurídica medieval, por vezes referida como princípio de Chiovenda), realça a importância fundamental de que todos os fatos e provas relevantes devem ser devidamente apresentados e registrados no processo judicial para que possam ser considerados pelo juiz na sua decisão. A validade jurídica de um fato depende da sua existência formal no processo.

 

Digo que se não há a verdade, não há direito, porque presunção não é certeza, e incerteza não é justiça.

 

A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a responsabilidade objetiva do art. 14 formam pilares centrais da proteção consumerista. Todavia, a aplicação mecânica ou genérica da inversão – sobretudo nas demandas em que a parte autora não demonstra hipossuficiência probatória nem apresenta indícios mínimos do fato danoso – produz distorções processuais, fragiliza o contraditório e pode conduzir a decisões injustas.

 

O CDC nasceu para equilibrar relações entre consumidores e fornecedores, reconhecendo desigualdades estruturais. O art. 14 impõe responsabilidade objetiva ao fornecedor de serviços; o art. 6º, VIII, autoriza a inversão do ônus probatório em favor do consumidor quando houver verossimilhança da alegação ou hipossuficiência. Mas, esses instrumentos, firmo, não conferem licença para a inexigência probatória da parte autora. A prova é o mapa e a bússola do juiz; sem estes instrumentos, decisões podem perder o rumo e alcançar resultados injustos.

 

Fraciono as minhas ideias para melhor contextualizar os argumentos que defendo.

 

Os fundamentos normativos e a hermenêutica integrada.

 

Art. 14, CDC: Responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, com excludentes (culpa exclusiva do consumidor, culpa de terceiro, força maior).

Art. 6º, VIII, CDC: Previsão de inversão do ônus da prova, condicionada à verossimilhança da alegação ou à hipossuficiência do consumidor.

Integração com o CPC (arts. 373 e ss.): A distribuição do ônus da prova no processo civil permanece como regulação subsidiária; a inversão prevista no CDC exige motivação e delimitação.

Natureza e finalidade da inversão do ônus da prova.

 

Em análise muito simplista e objetiva, pode-se dizer que a inversão do ônus da prova intenta corrigir assimetrias informacionais e técnicas, possibilitando a efetividade da tutela quando a prova de fatos gravita sob o controle exclusivo do fornecedor. Aqui surge o ponto de inteligência do normativo, de hermenêutica e, sobretudo, relevância processual. Refiro-me evidentemente ao que denominamos “controle exclusivo ou absoluto do fornecedor”.

 

Nada mais óbvio do que a transferência do ônus ao que tem o domínio exclusiva e predominante da prova.

 

Há uma limitação, entretanto, de natureza excepcional e instrumental, já que não se pode substituir a exigência de condições mínimas da alegação e prova da parte autora.

 

Podemos dizer, analogicamente, que a inversão é uma ponte sobre o abismo informacional; ela só é segura quando ancorada em pilares firmes (indícios mínimos e motivação judicial).

 

O amadurecimento social e a necessária reavaliação da hipossuficiência.

 

Desde a promulgação do CDC houve uma evolução socioeconômica e informacional: maior acesso à internet, disponibilidade de informações comparativas, instrumentos de defesa do consumidor e práticas autorregulatórias. Esse amadurecimento legitima a crítica à aplicação automática da ideia de vulnerabilidade.

 

Mas, a conclusão de que a hipossuficiência deixou de existir é inadequada e precipitada. A vulnerabilidade prevista pelo CDC deve ser entendida de forma dinâmica e contextual: persiste quando há desigualdade de informação técnica, assimetria de dados (especialmente em ambientes digitais), incapacidade prática de compreender cláusulas complexas (leia-se complexas na essência) ou desigualdade de poder econômico (apenas quando causa evidente do desequilíbrio) e organizacional entre consumidor e fornecedor. E faço aqui um parêntese importante, porque o acesso à informação não equivale necessariamente à capacidade técnica de processá-la ou de obter provas que permaneçam sob controle exclusivo do fornecedor.

 

A hipossuficiência é um termômetro, não um selo: varia conforme circunstâncias concretas e deve ser demonstrada caso a caso.

 

Uma dessas premissas equivocadas está nas alegações vazias de fraude. Nota-se o uso estratégico, em alguns litígios, de alegações simplificadas de “golpe” ou fraude como meio de obter indenizações contra empresas, mesmo sem comprovação robusta.

 

E associada à transferência genérica do ônus da prova, tal prática pode tornar a inversão um instrumento distorcido, com efeitos sistêmicos danosos às instituições.

 

Um exemplo recente: REsp 2.215.907-SP (proc. eletron. 2025/0195436-1, julgado em 1º/9/25), no qual o STJ entendeu que, em fraudes por engenharia social como o golpe da “falsa central”, a responsabilidade do banco é afastada quando a fraude decorre de culpa exclusiva da vítima. O tribunal qualificou a entrega voluntária de dados sensíveis como “fortuito externo” que rompe o nexo causal, eximindo o banco, salvo demonstração de falha nos deveres de segurança ou de vazamento de dados pelo fornecedor. Esse precedente atua como contrapeso: a inversão pode ser necessária, mas o juiz não pode perder o rumo sem o mapa probatório mínimo. Um acerto decisório, portanto.

 

Problemas práticos e jurídicos decorrentes da aplicação excessiva.

 

Inversão automática por mero “status” de consumidor: Decisões que concedem inversão sem exame de indícios mínimos transformam o mecanismo em presunção de culpa.

Transferência desproporcional do ônus: Fornecedores são compelidos a produzir prova negativa ou impossível, afrontando a razoabilidade.

Fragilização do contraditório e da motivação judicial: Sentenças baseadas em provas unilaterais e em inversão genérica aumentam o risco de reforma e instabilidade.

Incentivo à litigiosidade e à prática probatória preguiçosa: Consumidores deixam de reunir documentos mínimos, confiando em inversão automática.

Dificuldade probatória em litígios tecnológicos/complexos: Tais situações demandam perícias e análise de dados; o juiz deve decidir com base no mapa probatório disponível antes de abandonar a rota. A situação ganha contornos mais complexos, embora desprezados, quando a ação é proposta no Juizado Especial Cível, tornando a posição da parte ré mais delicada e ingrata tecnicamente.

Impactos judiciais e socioeconômicos.

 

Segurança jurídica: Aplicação criteriosa reduz decisões contraditórias e reformas em instância superior.

Efetividade da tutela: Proteção ao consumidor preservada quando inversão for usada para viabilizar produção de prova fora de seu alcance.

Custo do litígio: Perícias e diligências elevam custos, mas melhoram a precisão decisória e evitam condenações fundadas em presunções frágeis.

Fragilidades jurídicas.

 

Ônus probatório e prova desproporcional – o CDC admite facilitação probatória, mas não suprime a necessidade de provar fatos constitutivos do direito; transferir integralmente ao fornecedor o encargo de provar ausência de falha, sem parâmetros técnicos, afronta o devido processo e a racionalidade probatória.

Interpretação extensiva do art. 14 sem analisar excludentes – o art. 14 admite excludentes (culpa exclusiva do consumidor, caso fortuito, terceiros); a decisão que não fundamenta adequadamente o afastamento desses excludentes é vulnerável.

Dever de cuidado indeterminado e insegurança jurídica – impor obrigação genérica de “atualização constante” vulnera previsibilidade; padrões técnicos competem ao regulador/legislador mais que à decisão casuística.

Insuficiente exame da proporcionalidade das medidas exigidas – fraudes por engenharia social demandam reconstituição factual e perícia especializada para fixar nexo causal.

Risco de dissociação de precedentes e instabilidade jurisprudencial – divergência dificulta planejamento institucional e previsibilidade.

Potencial afronta ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa e à proporcionalidade da indenização – deve-se considerar culpa concorrente e dever de mitigação do dano.

E dentro dessas fragilidades acima apontadas, enxerga-se os perigos práticos e o risco de incentivos perversos. Responsabilizar com base em alegações genéricas e indícios frágeis cria incentivos ao oportunismo (moral hazard) e seleção adversa: usuários podem alegar fraude para reaver operações vantajosas. Do ponto de vista sistêmico, isso eleva litigiosidade, custos de averiguação e pressiona instituições a provisões e reembolsos indevidos, sem atacar as causas reais das fraudes.

 

Conclusão

 

A responsabilidade objetiva do art. 14 do CDC e a inversão do ônus da prova são instrumentos essenciais da proteção consumerista, mas exigem uso ponderado. A prova é o mapa e a bússola do juiz: decisões que abandonam tais instrumentos perdem a rota e arriscam injustiças com efeitos colaterais sócios econômicos. A inversão não suprime a necessidade de prova mínima; o consumidor deve apresentar indícios que abram a via probatória, e o juiz deve delimitar e justificar qualquer deslocamento do ônus. O alegado “amadurecimento” social não revoga a proteção, mas exige interpretação dinâmica da vulnerabilidade. O precedente do REsp 2.215.907-SP orienta que, quando a vítima voluntariamente entrega dados sensíveis, configura-se culpa exclusiva do consumidor/fortuito externo, afastando responsabilização do fornecedor, salvo prova de falha de segurança. Só com mapas claros (critérios) e bússolas confiáveis (motivação e prova mínima) se preserva o equilíbrio entre proteção do hipossuficiente e princípios constitucionais do processo, evitando que instrumento protetivo se converta em mecanismo de injustiça processual. Aplicar inversão sem critérios é como navegar sem bússola – corrige pouco e arrisca muito.

Márcio Aguiar

Márcio Aguiar
Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

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MARQUES, Cláudia Lima. Curso de Direito do Consumidor. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

MIRAGEM, Bruno. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Processo Civil. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Civil – Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

BESSA, Leonardo Roscoe; TEPEDINO, Gustavo (org.). Provas digitais e processo: desafios e soluções. São Paulo: Editora Acadêmica, 2021.

Fonte:  Migalhas – Os excessos da inversão do ônus da prova nas ações de consumo

 

TJ-SP reconhece validade de lei que dispensa advogado de adiantar custas

Lei 15.109/2025 — que isenta os advogados de adiantar custas para a cobrança de honorários — é constitucional, já que não isenta o pagamento das taxas judiciais, não viola o pacto federativo e não afeta a arrecadação dos estados.

Corte paulista reconheceu a constitucionalidade da lei que dispensa o advogado de adiantar custas para cobrar honorários

Esse foi o entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo para declarar a validade do parágrafo 3º do artigo 82 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei 15.109.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Campos Mello, destacou que o artigo inserido pela Lei 15.109 no CPC apenas disciplina o momento em que será feito o recolhimento da taxa judiciária.

“O que há é a mera dispensa do adiantamento pelo advogado. Não há prejuízo quanto à integralidade do valor devido, que será recolhido ao final do processo pela parte vencida. É certo, por outro lado, que a competência para legislar sobre matéria tributária e a respeito de custos do serviço forense é concorrente entre União e Estados (cf. art. 24, I e IV, da Constituição Federal). No entanto, a norma não cria, não modifica nem extingue tributo; visto que não houve qualquer impacto na base de cálculo, alíquota ou fato gerador das custas devidas ao Estado”, escreveu o relator, cujo entendimento foi seguido por unanimidade.

Por meio de nota, a Associação de Advogados de São Paulo (Aasp) — que atuou no processo como amicus curiae (amiga da corte) — celebrou a decisão.

“Essa vitória faz parte da atuação institucional da casa no pilar AASP em Ação e coroa o histórico de defesa das prerrogativas profissionais, promovendo a eficiência do sistema de justiça e removendo barreiras desproporcionais à cobrança de créditos essenciais para o sustento de milhares de advogados”, diz trecho do documento.

Fonte: ConJur –  TJ-SP valida lei que dispensa advogado de adiantar custas

TST reconhece e limita o uso de geolocalização em ações trabalhistas

Em duas decisões recentes, órgãos colegiados do Tribunal Superior do Trabalho consideraram válido o uso da geolocalização como prova digital para comprovar horas extras em processos. O entendimento foi de que a medida não viola o direito fundamental à privacidade, previsto na Constituição Federal, nem as garantias previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

TST respalda geolocalização como forma de comprovar horas extras em ações

A geolocalização é uma tecnologia que identifica a posição geográfica de uma pessoa por meio de sistemas como GPS, Wi-Fi ou redes de celular. Ela é usada, por exemplo, nos transportes de entrega e por aplicativo, no transporte de carga e, ainda, no controle de ponto de algumas empresas.

Um dos casos, julgado pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2), envolve um propagandista vendedor contratado por uma farmacêutica. Ele alega na ação que trabalhava, em média, 11 horas por dia, além de em torno de duas horas diárias em atividades burocráticas.

Suas ações eram monitoradas em tempo real por meio de um tablet fornecido pela empresa, que utilizava sistema com GPS para fiscalizar o cumprimento das visitas.

A Vara do Trabalho de Santo Ângelo (RS) mandou oficiar duas operadoras para que fornecessem dados de geolocalização dos números telefônicos particular e profissional do vendedor.

Contra a determinação, o trabalhador entrou com mandado de segurança alegando, entre outros pontos, violação de privacidade. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) entendeu que a ordem judicial violava direitos fundamentais à intimidade e era desproporcional e desnecessária, pois a jornada poderia ser comprovada por outros meios, sem violar seus dados pessoais. A empresa, então, recorreu ao TST.

Ferramenta útil

O relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, ressaltou que a utilização de dados de geolocalização é prova digital válida e precisa para apurar jornadas e vínculos trabalhistas, especialmente de quem desenvolve atividades externas. Segundo ele, o processo judicial não pode ficar imune às mudanças trazidas pelas novas tecnologias.

Quanto à privacidade e ao sigilo, o relator observou que o direito à prova de geolocalização pode ser exercido sem sacrificar a proteção de dados.

“Basta que sejam solicitadas informações estritamente necessárias e que elas fiquem, por determinação do juiz, disponíveis apenas para as partes do processo”, avaliou. “Não há necessidade nem interesse de averiguar e fazer referências aos locais visitados fora do ambiente de trabalho.”

Alencar lembrou que a LGPD admite a utilização de dados pessoais para o exercício regular do Direito em processo judicial. No mesmo sentido, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) permite a requisição de registros e dados armazenados.

Apesar da validade da geolocalização, o ministro ressaltou que a Vara do Trabalho não delimitou de forma adequada a medida. Por isso, o colegiado restringiu a prova aos horários de trabalho indicados pelo trabalhador e ao período firmado no contrato de trabalho. Determinou ainda o sigilo das informações obtidas.

Ficaram vencidos os ministros Vieira de Mello Filho, Mauricio Godinho Delgado e Luiz José Dezena da Silva.

Banco também pode

Em outra decisão, a 5ª Turma do TST autorizou o uso da geolocalização para verificar as horas extras de uma bancária. O pedido havia sido indeferido nas instâncias anteriores.

No recurso ao TST, o banco disse que vem sofrendo condenações ao pagamento de horas extras e, muitas vezes, não há como fazer a contraprova. Nesse sentido, sustentou que o uso da geolocalização como prova contribuiria para a celeridade processual e para um julgamento mais justo.

O relator deste caso também foi o ministro Douglas Alencar Rodrigues, que adotou, em seu voto, os mesmos fundamentos do mandado de segurança julgado pela SDI-2.

Por unanimidade, o colegiado declarou nulos todos os atos processuais a partir do indeferimento da prova digital. Com isso, o processo deve retornar ao primeiro grau para reabertura da instrução processual. A prova da geolocalização também será limitada aos dias e horários informados pelas partes.

Fonte: Conjur – TST valida e limita o uso de geolocalização para provar jornada

Responsabilidade do cliente – Se não houve falha na prestação de serviços, banco não responde por golpe, diz TJ-MA

Se não há falha na prestação de serviços, instituição financeira não deve ser responsabilizada por golpe feito por terceiros. Com esse entendimento, a juíza Maria José França Ribeiro, do 7º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís (MA), julgou improcedente o pedido de indenização a um banco online por um cliente que foi vítima de estelionato.

Cliente fez Pix de R$20 mil a partir de seu próprio celular e durante horário comercial

O cliente foi enganado por dois casais que prometiam levá-lo a uma festa. Ele foi levado a um motel, teve a chave do seu carro retida e, sob ameaças, foi forçado a consumir bebidas alcoólicas e outras substâncias. Os criminosos usaram seus cartões de crédito e fizeram transferências que, segundo a vítima, são incompatíveis com as suas movimentações do dia a dia — incluindo um Pix de R$ 20 mil.

O homem entrou com ação alegando responsabilidade do banco sobre o golpe e exigindo indenização de R$ 10 mil por danos morais e R$ 20 mil por danos materiais.

A instituição financeira alegou que todas as transações foram feitas pelo celular do próprio cliente e que o pagamento de R$ 20 mil foi feito em horário comercial e dentro do fluxo regular de suas transações, sem extrapolar padrões que justificassem bloqueio automático da conta ou acionamento de protocolos de segurança excepcionais.

As partes fizeram uma audiência de conciliação, mas não chegaram a um acordo.

Responsabilidade é do cliente

Para a juíza do caso, a empresa não é responsável pelo golpe se não houve nenhuma falha na prestação de seus serviços. “Não há como atribuir à instituição financeira a responsabilidade civil por ato ilícito praticado exclusivamente por terceiros (…) Ademais, nota-se que o evento só foi consumado em razão de o requerente ter faltado com seu dever de cuidado e proteção.”

Ela acrescenta que a narrativa do cliente é “desprovida de verdade e de coerência lógica” e não ampara o pedido de indenização. Também pontua que o Pix de R$ 20 mil aconteceu em dia útil e durante horário comercial, extinguindo a responsabilidade do banco sobre o golpe. Com informações da assessoria do TJ-MA.

Processo nº 0801618-81.2025.8.10.0012

Fonte: Conjur – Se não houve falha interna, banco não responde por golpe

Carta simples, sem prova de entrega, não é equivalente à citação, diz TST

A 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou nula a citação de uma empresa por carta simples, sem aviso de recebimento, para que apresentasse defesa numa ação trabalhista.

O colegiado também concluiu que o acesso ao sistema eletrônico da Justiça do Trabalho (PJe) por um advogado que ainda não tinha sido habilitado nos autos não supre a falta de uma citação válida.

O processo foi ajuizado por uma auxiliar de cozinha contra uma churrascaria. A empresa não compareceu à audiência inicial e foi declarada a revelia, ou seja, a versão dos fatos apresentada pela trabalhadora foi presumida como verdadeira, e a empresa acabou condenada a pagar diversas parcelas.

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) manteve a revelia, por considerar válida a citação com base em dois elementos: o envio de carta simples ao endereço da empresa e a consulta feita por um causídico ao processo antes da audiência, embora ele só tivesse se habilitado formalmente depois da declaração de revelia.

Carta simples não serve

No recurso ao TST, o restaurante sustentou que a ausência de citação válida compromete a própria existência da relação processual e torna nulos todos os atos subsequentes, inclusive a sentença. A condenação sem que tivesse tido a oportunidade de apresentar sua defesa afrontaria o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

O relator, desembargador convocado José Pedro de Camargo, explicou que a citação, no processo na Justiça do Trabalho, exige registro postal, com aviso de recebimento ou outro mecanismo equivalente. A carta simples, sem prova de entrega, não assegura a ciência necessária para a validade do ato.

O relator destacou ainda que a consulta ao PJe por advogado não habilitado não caracteriza comparecimento espontâneo, e a ciência informal ou presumida não substitui o cumprimento das regras legais.

Por unanimidade, o colegiado anulou todos os atos posteriores e determinou o retorno do processo ao primeiro grau. Na prática, o processo volta à fase inicial: o responsável legal pela churrascaria deverá ser citado de forma válida, para apresentar defesa e produzir provas antes de novo julgamento.

 

Fonte: Conjur – TST anula decisão por ausência de citação válida em ação

CORTE NA VANGUARDA – Assistente de IA do TJ-RJ é um dos mais avançados do mundo, diz Universidade de Oxford

O assistente de inteligência artificial generativa Assis, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi considerado uma das ferramentas mais avançadas e importantes do mundo pelo Instituto de Tecnologia da Universidade de Oxford, na Inglaterra. A análise foi feita com base em um estudo mundial sobre ferramentas de IA no Judiciário global.

IA gerou petição com dados falsos e advogada alegou "mero erro material"

Assis gera rascunhos de decisões judiciais, sentenças e pareceres utilizando modelos generativos baseados no GPT-4

O estudo cita que o sistema Assis gera rascunhos de decisões judiciais, sentenças e pareceres utilizando modelos generativos baseados no GPT-4. O sistema adapta a produção ao estilo de escrita e ao histórico judicial de cada magistrado, baseando-se em suas decisões e pareceres anteriores, e permite que os juízes façam perguntas sobre os documentos do processo e acessem informações relevantes diretamente dos autos eletrônicos.

A universidade inglesa destacou que o sistema opera de forma segura, com governança de dados e registros de auditoria, não reutilizando dados para treinamento de IA.

Treinamento e regulação

O texto ressalta ainda que os juízes brasileiros recebem treinamento obrigatório sobre o uso de IA, incluindo cursos práticos sobre ferramentas como ChatGPT. Cita também que o Conselho Nacional de Justiça emitiu diretrizes detalhadas sobre o uso de IA no Judiciário por meio da Resolução 615/2025, que estabelece uma matriz de risco para sistemas de IA e enfatiza a necessidade de supervisão humana, transparência e respeito aos direitos fundamentais.

De acordo com o estudo, o Brasil está buscando estabelecer um quadro regulatório abrangente para inteligência artificial, inspirado na Lei de IA da União Europeia, e continua a explorar o uso de IA em processos judiciais, com foco na proteção dos direitos fundamentais e na transparência dos sistemas.

Conheça o Assis

O Assis é um assistente jurídico desenvolvido pela Assessoria de Inteligência Artificial da Secretaria-Geral de Tecnologia da Informação do TJ-RJ. Está integrado à base de documentos dos processos de primeira instância que estão disponíveis no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe). O assistente utiliza os documentos dos processos como base para elaboração de decisões e minutas de sentença, adaptadas ao padrão do respectivo magistrado.

Além de buscar as informações relevantes, o assistente é capacitado a processar o conteúdo de cada documento processual coletado, extraindo detalhes críticos e contextos que são fundamentais para a construção de respostas de alta qualidade. A tecnologia de processamento de linguagem natural permite que o Assis entenda a dinâmica do caso e as alegações apresentadas, resultando em minutas precisas, com entendimento aprofundado do processo.

Além disso, a tecnologia empregada poderá evoluir com o tempo, incorporando novos conhecimentos e tendências do Direito.

Desde setembro de 2020, o CNJ, em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), lidera o programa de modernização tecnológica Justiça 4.0, voltado para a transformação digital do Judiciário brasileiro.

Fonte: Brasil | Líder global na adoção de IA na justiça criminal | Instituto de Tecnologia e Justiça de Oxford

Ministro do TST valida custas pagas por terceiro e afasta deserção de recurso

O relator entendeu que os comprovantes apresentados continham informações suficientes para vincular o pagamento ao processo.

Ministro do TST valida custas pagas por terceiro e afasta deserção de recurso

O relator entendeu que os comprovantes apresentados continham informações suficientes para vincular o pagamento ao processo.

O ministro Evandro Pereira Valadão Lopes, do TST, afastou a deserção de um recurso ordinário que havia sido declarada pelo TRT da 8ª região. O relator entendeu que, apesar de as custas processuais terem sido recolhidas por empresa que não figurava na lide, os comprovantes apresentados continham informações suficientes para vincular o pagamento ao processo.

 

O TRT-8 havia considerado deserto o recurso por entender que o preparo estava irregular, já que a GRU – Guia de Recolhimento da União foi paga por pessoa jurídica estranha ao processo. Para a Corte regional, a ausência de correspondência entre a parte recorrente e a responsável pelo pagamento inviabilizava a admissibilidade do recurso.

 

Ao examinar o recurso de revista, o ministro Valadão Lopes destacou que a jurisprudência do TST tem adotado interpretação mais flexível sobre o tema, à luz do princípio da instrumentalidade das formas. Segundo ele, quando não há dúvida quanto à destinação do pagamento, deve-se reconhecer a validade do recolhimento, ainda que realizado por terceiro.

 

Ministro do TST afasta deserção e determina retorno de processo ao TRT-8.

Nos autos, constavam na guia o número do processo, a identificação das partes e o valor exato das custas, além da coincidência entre o código de barras do comprovante bancário e o da GRU judicial. Esses elementos foram considerados suficientes para comprovar o preparo.

 

Com a decisão, o TST determinou o retorno dos autos ao TRT-8, para que o Tribunal prossiga na análise do mérito do recurso ordinário interposto. O agravo de instrumento apresentado ficou prejudicado diante do provimento do recurso de revista.

 

Fonte: Migalhas – https://www.migalhas.com.br/quentes/441510/tst-valida-custas-pagas-por-terceiro-e-afasta-desercao-de-recurso

 

 

Parceria sustentável: Alinhando entrega jurídica e cuidado com pessoas

Parceria sustentável: quando cuidar das pessoas vira critério estratégico de escolha.

A pergunta é meramente retórica, obviamente. Não há dúvidas sobre essa premissa.

Mas, outras questões importantes e ainda sem respostas concretas, talvez não abordadas, continuam no limbo das interrogações.

A polêmica pela divergência de visões é inevitável, mas a provocação é apenas reflexiva. Permitam-me, portanto.

Escolher um escritório só pela reputação ou pelo preço é correr risco. Aqui vai uma afirmação.

Ambientes que adoecem profissionais geram trocas constantes, retrabalho e perda de conexão com o propósito – e isso custa caro em tempo, dinheiro e resultados. Optar por um parceiro que cuida das pessoas torna a prestação jurídica mais previsível, eficiente e valiosa.

Por que isso importa – e por que agora esse tema vem à tona? porque fomos desafiados a demonstrar, não só na teoria, mas também na prática, o resultado dessa equação corporativa.

A prática jurídica está mais complexa e com demandas por qualidade, quantidade, entregas, indicadores de performance e velocidade crescentes.

A saúde organizacional do fornecedor não é “coisa interna”: afeta diretamente a performance do cliente.

Dados de organizações internacionais e pesquisas de mercado mostram impactos concretos:

OMS – Organização Mundial da Saúde: Problemas de saúde mental como depressão e ansiedade geram perdas de produtividade equivalentes a cerca de US$ 1 trilhão ao ano globalmente1.
Pesquisas de engajamento (ex.: Gallup): Equipes mais engajadas apresentam ganhos mensuráveis em produtividade e desempenho – diferenças de dezenas de pontos percentuais entre equipes engajadas e não engajadas 2.
Custo de turnover: Substituir profissionais pode custar entre 0,5 a 2 vezes o salário anual do colaborador, dependendo do nível – impacto direto no custo por matter e na continuidade dos trabalhos 34.
Esses dados indicam que fornecedores com melhores práticas de gestão de pessoas reduzem riscos operacionais e geram ganhos tangíveis para o contratante.

Continuidade, memória institucional e produtividade em escritórios de advocacia

Impacto da continuidade: Em escritórios jurídicos, o conhecimento tácito sobre estratégias processuais, preferências de clientes, histórico documental e linhas defensivas acumulados por profissionais alocados reduz significativamente o tempo necessário para retomar ou avançar um matter. Trocas frequentes elevam horas de pesquisa, reuniões de transição e risco de decisões inconsistentes.
Memória institucional como ativo (DNA empresarial): Registros bem mantidos e profissionais estáveis preservam precedentes internos, modelos adaptados e lições aprendidas – fatores que aumentam a qualidade técnica e reduzem retrabalho. A perda desse capital cognitivo (quando advogados saem ou são substituídos) traduz-se em perda de eficiência e aumento de custo por matter (onboarding, reanálise documental, curva de familiarização).
Evidência prática: Estudos de gestão do conhecimento e people analytics mostram que equipes com rotatividade baixa alcançam produtividade superior e maior velocidade de entrega, pois diminui a necessidade de repetição de tarefas e retrabalho 25.
Consequência para o contratante: Contratantes beneficiam-se diretamente dessa continuidade por meio de prazos mais curtos, menor incidência de erros processuais e maior previsibilidade estratégica nas ações.
Até aqui apresentamos fatos e evidências concretas.

O diferencial do parceiro com quadro Celetista.

Optar por um fornecedor cujo núcleo seja formado por profissionais contratados pelo regime CLT traz vantagens práticas e estratégicas, sem, contudo, desqualificar outros modelos de contratação.

Os porquês: na prática.

Continuidade e memória institucional: CLT tende a reduzir rotatividade comparada a modelos exclusivamente autônomos/por projeto, preservando contexto, decisões anteriores e know-how do time.
Mais produtividade e qualidade: Profissionais estáveis (valorização da empregabilidade) e motivados tendem a cometer menos erros e demandar menos retrabalho – impacto direto em prazos, custo por matter e satisfação do cliente 25.
Menor exposição a riscos trabalhistas para o contratante: Reduz a probabilidade de responsabilização solidária ou subsidiária em ações sobre vínculo irregular (jurisprudência e doutrina sobre terceirização e responsabilidade) 6.
Benefícios operacionais adicionais: Maior facilidade de implementar treinamentos padronizados, planos de carreira, avaliações de desempenho e mecanismos de qualidade que asseguram entregas consistentes.
Valorização reputacional: Contratar fornecedores que empregam formalmente reforça a imagem institucional do contratante perante clientes, reguladores e mercado.
Um comparativo sucinto: CLT vs outros modelos (freelance, PJ, contrato por projeto).

Retenção e continuidade: CLT > PJ/freelance (maior estabilidade).
Custos diretos: CLT pode ter custo fixo maior (encargos), mas custo total por matter tende a ser menor quando se incorpora turnover e perda de produtividade.
Flexibilidade de capacity: PJ/freelance > CLT (facilidade de escalar rapidamente), sendo o modelo híbrido (núcleo CLT + apoio por demanda) uma solução prática.
Risco jurídico para contratante: Menor com CLT consolidado; maior com práticas que misturam controle e contratação de autônomos (potencial de reclamatórias e responsabilização).
Gestão da qualidade e compliance: CLT facilita políticas internas, confidencialidade e controles de compliance.
Para quem precisa de flexibilidade de custos, modelos híbridos (núcleo CLT + apoio por demanda) conciliam previsibilidade com adaptabilidade.

Ganhos tangíveis para quem contrata.

Traduzindo em resultados práticos.

Menor retrabalho e menos prazos perdidos (economia operacional).
Redução do custo total por matter (considerando turnover e onboarding) 34.
Menor risco em auditorias e menor exposição a passivos trabalhistas 6.
Melhor qualidade estratégica das entregas – soluções mais contextualizadas e criativas pela preservação do conhecimento.
Valorização das relações contratuais garantistas: fornecedores que adotam práticas formais e transparentes reforçam as garantias legais do contrato e contribuem positivamente para a reputação do contratante, ao demonstrar compromisso com relacionamentos profissionais e conformidade.
KPIs que realmente importam. Meça o que impacta sua operação: taxa de substituição por case; número de trocas do responsável; NPS interno dos alocados; índice de retrabalho; horas médias por matter; tempo até produtividade plena. Combine métricas com entrevistas qualitativas 7.

Riscos, objeções e como tratar as preocupações. É natural que existam preferências por diferentes modelos contratuais. Em vez de impor, converta o critério em vantagem competitiva: escritórios com quadro Celetista e boas práticas tendem a ter retenção maior e clientes mais fiéis. Use terceiros neutros para pesquisas de clima e prefira cláusulas de melhoria contínua em vez de medidas punitivas.

Aqui, ao invés de uma conclusão, porque não é nada absolutamente conclusivo, apenas uma mensagem final – por que vale a pena dar atenção a isso. Avaliar saúde organizacional do fornecedor e privilegiar parceiros com quadro Celetista é uma escolha estratégica – não um julgamento sobre outros modelos. Para contratantes que buscam previsibilidade, qualidade e mitigação de riscos ocultos, esse critério entrega valor mensurável: menos surpresas, entregas melhores e imagem institucional fortalecida.

_______________

1. World Health Organization – “Mental health in the workplace”. https://www.who.int/teams/mental-health-and-substance-use/mental-health-in-the-workplace

2. Gallup – “State of the Global Workplace” (relatórios sobre engajamento e desempenho). https://www.gallup.com/workplace/349484/state-of-the-global-workplace.aspx

3. SHRM – estudos sobre custo do turnover e onboarding. https://www.shrm.org/

4. CIPD – relatórios sobre custo de substituição e práticas de RH. https://www.cipd.org/

5. Ben Waber – “People Analytics” (gestão de produtividade e dados sobre equipes).

6. Legislação e jurisprudência brasileira sobre terceirização e responsabilidade (Lei nº 13.467/2017; TST e Tribunais Regionais do Trabalho). https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm

7. Relatórios e white papers de consultorias (McKinsey, Deloitte, BCG) sobre gestão de conhecimento, retenção de talentos e impacto do turnover na produtividade. https://www.mckinsey.com/ | https://www2.deloitte.com/ | https://www.bcg.com/

Márcio Aguiar
Márcio Aguiar
Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

Fonte: Migalhas –  https://www.migalhas.com.br/depeso/441354/parceria-sustentavel-alinhando-entrega-juridica-e-cuidado-com-pessoas