Os impactos econômicos da litigância abusiva nas empresas de telefonia

A litigância abusiva – também conhecida como litigância irresponsável ou temerária – tem exigido crescente atenção, não apenas da comunidade jurídica, mas de toda a sociedade. Trata-se do uso desmedido e infundado do sistema Judiciário com finalidades muitas vezes oportunistas, gerando impactos substanciais, sobretudo nas empresas de telefonia. Tais impactos extrapolam os limites financeiros e alcançam o cerne da capacidade de inovação tecnológica, afetando a competitividade e, em última análise, a qualidade dos serviços ofertados à população.

À medida que cresce o volume de ações judiciais contra essas empresas, observa-se um efeito cascata que compromete investimentos, desestimula parcerias estratégicas e faz sucumbir a confiança em projetos de inovação.

A seguir, abordo os principais efeitos da litigância abusiva sobre o ambiente de inovação tecnológica das empresas de telecomunicações, com destaque para a proliferação de ações fundadas em supostas ligações indesejadas – muitas vezes alheias à realidade – relacionadas à oferta de serviços ou cobranças.

Desvio de recursos financeiros e ambiente de incerteza

Um dos impactos mais imediatos da litigância abusiva é o desvio de recursos financeiros consideráveis para a defesa em juízo. Os custos incluem despesas processuais, honorários advocatícios, encargos administrativos e a necessidade de manter equipes inteiras voltadas à gestão de litígios. Recursos que deveriam ser alocados em PD&I – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação são direcionados à contenção de passivos jurídicos, comprometendo o avanço tecnológico e o aprimoramento dos serviços.

Além disso, o ambiente de insegurança jurídica promovido pela judicialização excessiva inibe a tomada de risco inerente à inovação. O receio de que a introdução de novas tecnologias ou modelos de negócios gere reações judiciais imediatas impõe um freio à criatividade, favorecendo posturas conservadoras e retraídas. O foco desloca-se da inovação para a mitigação de riscos artificiais, o que, por sua vez, compromete a evolução dos serviços e a redução de custos aos consumidores.

Essa mentalidade passiva e defensiva afeta a cultura organizacional, de maneira ampla e desmedida, instaurando uma lógica de contenção e exagerada conformidade legal em detrimento da ousadia necessária ao progresso tecnológico.

Alegações de ligações excessivas: Entre o direito e o abuso

Dentre as ações mais recorrentes na litigância abusiva contra empresas de telefonia, destacam-se aquelas relacionadas a supostas ligações excessivas de telemarketing ou cobranças. Embora o incômodo causado por chamadas indesejadas seja uma preocupação legítima, é preciso reconhecer que muitas dessas ações carecem de fundamento ou são baseadas em percepções distorcidas, mal-entendidos ou, em casos mais graves, movidas com intuito meramente oportunista.

Essa natureza de judicialização arrasta as empresas à obrigação de se defender de versões de fatos inexistentes ou juridicamente insustentáveis. O resultado é a sobrecarga do Judiciário e a drenagem de tempo e recursos que poderiam ser empregados na melhoria da experiência do usuário, na digitalização de canais de atendimento ou na modernização de soluções para personalização dos serviços.

A regulamentação como mecanismo de equilíbrio

A atuação regulatória no setor de telecomunicações é essencial para evitar abusos e garantir o equilíbrio entre os direitos dos consumidores e a sustentabilidade das empresas. Além do CDC e da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, o marco civil da internet (lei 12.965/14) estabelece parâmetros sobre a responsabilidade das empresas no ambiente digital. Já a resolução 632/14 da ANATEL consolida normas de proteção aos usuários de serviços de telecomunicações.

Normas claras, atualizadas e aplicadas de forma proporcional reduzem ambiguidades jurídicas que, não raro, alimentam litígios desnecessários. A atuação regulatória eficiente contribui ainda para a construção de mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos, reduzindo a necessidade de judicialização.

O serviço “Não me Perturbe” e a gestão proativa do contato com o consumidor

A implementação do serviço “Não me Perturbe”, sob regulação da ANATEL, é um exemplo de solução concreta que promove o respeito à privacidade do consumidor sem a necessidade de assolar o Judiciário. Trata-se de uma plataforma pela qual o usuário pode bloquear ligações de empresas de telemarketing. Ao mostrar que existem canais eficientes de gestão de preferências, a advocacia pode evidenciar ao Judiciário que muitas demandas judiciais seriam evitadas por medidas administrativas bem aplicadas.

O papel da advocacia na identificação e contenção da litigância abusiva

A advocacia desempenha papel central na contenção da litigância predatória. Por meio de estratégias processuais bem delineadas, é possível identificar padrões de abuso, reunir provas consistentes e demonstrar, de forma objetiva, a falta de mérito de determinadas ações. A consolidação de jurisprudência robusta contra esse tipo de conduta também depende da atuação diligente dos profissionais do Direito.

A advocacia estratégica tem, portanto, o potencial de, não apenas proteger as empresas, mas contribuir para o aperfeiçoamento do sistema judicial, desestimulando a replicação de ações infundadas e promovendo a responsabilização de litigantes de má-fé.

A atenção do Judiciário a práticas oportunistas

Nos últimos anos, o Judiciário tem demonstrado uma postura cada vez mais crítica e vigilante em relação às práticas de litigância abusiva. As decisões que reconhecem a improcedência de ações manifestamente infundadas e que aplicam sanções rigorosas por litigância de má-fé têm se tornado uma constante na jurisprudência. Essa atuação não apenas reforça a integridade do Poder Judiciário, mas também assegura que o acesso à justiça seja preservado para aqueles que realmente necessitam.

A criação, pelo CNJ, dos CIPJs – Centros de Inteligência dos Tribunais de Justiça representa um passo significativo nessa direção. Esses centros têm um papel fundamental na orientação dos magistrados sobre como identificar e lidar com ações que apresentem características de abusividade. As notas técnicas emitidas pelos CIPJs fornecem diretrizes claras para que os juízes possam adotar condutas adequadas ao se depararem com litígios oportunistas, promovendo uma litigância mais responsável e ética.

Dessa forma, os CIPJs não apenas auxiliam na identificação de práticas abusivas, mas também contribuem para a formação de um ambiente judicial mais consciente e rigoroso. Ao rechaçar o uso distorcido do direito de ação como um instrumento para a obtenção de vantagens indevidas, o Judiciário assume um papel crucial no equilíbrio das relações de consumo. Essa vigilância é essencial para proteger não apenas as empresas, mas também a integridade do sistema judicial, que deve permanecer livre de abusos que possam comprometer sua função social. Assim, ao combater a litigância abusiva, o Judiciário não só promove a justiça, mas também fomenta um ambiente de negócios mais justo e equilibrado.

Impactos na competitividade, nas parcerias e no desenvolvimento econômico

A inovação é o motor da competitividade, em especial no setor de telecomunicações. Empresas que conseguem direcionar recursos para a criação de novas tecnologias se destacam em um mercado cada vez mais dinâmico e digital. No entanto, quando a judicialização excessiva paralisa os investimentos, a capacidade de competir se esvai.

Adicionalmente, a insegurança jurídica afasta investidores e desencoraja parcerias com startups ou centros de pesquisa, inviabilizando colaborações que poderiam gerar ganhos significativos à sociedade. O capital deixa de circular, as oportunidades de emprego decaem e a cadeia de valor da inovação se fragiliza.

Imagem e reputação: O dano moral inverso

O alto número de ações judiciais – ainda que infundadas – pode prejudicar a imagem das empresas, criando uma percepção pública negativa, que não condiz com a realidade. O dano à reputação compromete a confiança do consumidor e dificulta a adesão a novos serviços. Trata-se de um fenômeno que pode ser interpretado como um “dano moral inverso”, em que a empresa é indevidamente exposta, sem que tenha incorrido em conduta irregular.

Neste contexto, a litigância abusiva torna-se um problema não apenas jurídico, mas também reputacional, com repercussões de longo prazo para a sustentabilidade empresarial.

Conclusão

A litigância abusiva configura um obstáculo real à inovação e ao desenvolvimento tecnológico das empresas de telefonia. Ao comprometer recursos, gerar incertezas e desestimular colaborações estratégicas, ela desaquece a competitividade do setor e limita os benefícios que poderiam ser entregues à sociedade. As ações relacionadas a supostas ligações indesejadas ilustram de forma clara como a judicialização infundada pode ganhar corpo e se tornar um entrave sistêmico.

Felizmente, observa-se um movimento coordenado entre reguladores, advogados e o Judiciário no sentido de reequilibrar esse cenário. A valorização de medidas extrajudiciais, o uso de ferramentas como o “Não me Perturbe” e a promoção de uma advocacia responsável são passos importantes para conter os abusos e proteger o ambiente de negócios.

Ao enfrentarem esse desafio com seriedade e alinhamento estratégico, as empresas de telecomunicações poderão retomar sua vocação inovadora e contribuir de forma ainda mais significativa para o avanço tecnológico e o bem-estar social.

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1 BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l13709.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

2 BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui a Lei de Defesa do Consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

3 BRASIL. Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

4 BRASIL. ANATEL. Resolução nº 632, de 7 de março de 2014. Aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações. Disponível em: https://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2014/668-resolucao-632. Acesso em: 20 out. 2023.

5 BRASIL. ANATEL. “Não me Perturbe: Como Funciona o Serviço de Bloqueio de Ligações de Telemarketing.” Disponível em: https://www.anatel.gov.br/. Acesso em: 20 out. 2023.

6 BRASIL. “Cadastro Não Me Perturbe.” Disponível em: https://www.naomeperturbe.com.br/. Acesso em: 20 out. 2023.

7 OLIVEIRA, José Carlos. “O Impacto do Sistema ‘Não me Perturbe’ nas Relações de Consumo.” Revista de Direito do Consumidor, vol. 12, n° 4, 2020, p. 45-56.

8 SANTOS, Maria Clara. “Telemarketing e o Direito do Consumidor: A Efetividade do ‘Não me Perturbe’.” Jornal dos Advogados, 2021. Disponível em: https://www.jornaldosadvogados.com.br/. Acesso em: 20 out. 2023.

result.titleMárcio Aguiar – Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

 

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/431131/os-impactos-economicos-da-litigancia-abusiva-nas-empresas-de-telefonia