A judicialização da saúde no Brasil se assemelha a uma UTI superlotada, em que cada leito representa uma demanda que não deveria estar ali.
A judicialização da saúde no Brasil se assemelha a uma UTI superlotada, em que cada leito representa uma demanda que não deveria estar ali. Pacientes, muitas vezes guiados por terceiros em busca de vantagens, são contaminados por influências, mesmo que de boa-fé, e acabam se perdendo em um estado crítico na busca por tratamentos e serviços. Nesse ambiente, fraudes se espalham como infecções, complicando a recuperação e sobrecarregando um sistema já fragilizado. As operadoras de saúde, vítimas dessa pressão, enfrentam um desafio monumental, e a integridade do sistema está em jogo. É essencial preservar a saúde desse sistema, garantindo que justiça e saúde trabalhem juntas para cuidar da população, e não para satisfazer interesses individuais que agravam a crise.
Imagine a cena: uma mãe aflita busca a melhor opção de tratamento para seu filho diagnosticado com TEA – Transtorno do Espectro Autista. Após a negativa de sua operadora de saúde, ela é persuadida por advogados de uma clínica especializada a acreditar que a única solução é entrar com uma ação judicial. O que poderia ser um ato legítimo de defesa logo se transforma em um terreno fértil para fraudes, no qual liminares são usadas como instrumentos para obter vantagens financeiras indevidas. Essa distorção da justiça não apenas prejudica o sistema de saúde, mas também compromete a dignidade de quem realmente precisa.
Estudo de caso: A realidade das fraudes
Um caso emblemático ocorreu em 2022, quando uma clínica em São Paulo foi investigada por um esquema de fraudes que resultou em prejuízos milionários para as operadoras de saúde. A clínica inflacionou os valores cobrados por tratamentos, com alguns custos chegando a ser oito vezes superiores ao real. O método? Um “reembolso assistido”, um verdadeiro concierge das fraudes. Pacientes eram incentivados a buscar reembolsos de tratamentos não autorizados. Este ciclo vicioso não apenas prejudica as operadoras, mas também fecha a porta de acesso a serviços essenciais para outros pacientes.
Mecanismos fraudulentos: O labirinto da desonestidade
As fraudes se manifestam de diversas formas, como um jogo de cartas marcadas:
Falsificação de laudos: Laudos médicos falsos criam necessidades de tratamentos que nunca foram requeridos, prejudicando o sistema e as crianças que realmente precisam de atenção.
Internações prolongadas: Algumas clínicas mantêm dependentes químicos internados além do necessário, visando aumentar os custos cobrados, desrespeitando a ética e a saúde dos pacientes.
Manipulação em tratamentos estéticos: Clínicas inflacionam valores e incluem serviços não realizados, enganando tanto operadoras quanto pacientes.
Cobranças Inflacionadas: Em ato participado com atores do mundo jurídico, algo que digo com imensa tristeza, clínicas costumam inflacionar valores, apresentando faturas até dez vezes superiores ao custo real.
Procedimentos fictícios: Faturas incluem procedimentos que nunca foram realizados, permitindo que as fraudes prosperem na falta de fiscalização.
Documentação forjada: Documentos são fabricados para justificar a ausência de clínicas credenciadas, quando na verdade há opções viáveis.
Medicações disponíveis no sistema público: Pacientes frequentemente buscam medicações que estão disponíveis nas farmácias do sistema de saúde público, mas que são convenientemente requisitadas às operadoras de saúde suplementar. Essa prática não só gera custos desnecessários para as operadoras, mas também distorce a lógica do acesso à saúde, prejudicando a eficiência do sistema.
O impacto no sistema de saúde
Essas fraudes não são apenas números em um relatório; elas têm um impacto profundo. Em 2023, um estudo indicou que 30% dos gastos com planos de saúde são decorrentes de fraudes, resultando em aumentos significativos nas mensalidades. O que começa como uma busca legítima por cuidados pode se transformar em um pesadelo financeiro para todos.
A visão do juiz Clenio Schulze
O Juiz Clenio Schulze, referência na judicialização da saúde, destaca a necessidade de equilíbrio entre a proteção dos direitos dos pacientes e a integridade do sistema de saúde. Em suas palavras, “a judicialização da saúde não pode se tornar um caminho para fraudes; é preciso respeitar o direito à saúde, mas também assegurar que esse direito não seja utilizado como um instrumento para enganar o sistema.” Sua visão enfatiza a importância de um controle mais rigoroso sobre as ações judiciais relacionadas à saúde, evitando distorções que prejudicam tanto os pacientes legítimos quanto as operadoras de saúde.
Cuidando da saúde suplementar
A saúde suplementar também merece atenção. Sua fragilidade pode colocar em risco o acesso a tratamentos e serviços essenciais. A sustentabilidade desse sistema é crucial para garantir que todos os cidadãos tenham a cobertura necessária e que as fraudes não comprometam a capacidade das operadoras de fornecer serviços adequados. Se não protegermos a saúde suplementar, corremos o risco de ver o acesso à saúde se tornar um privilégio em vez de um direito.
Abordagem legal e reformas necessárias
A questão da judicialização da saúde exige uma reflexão crítica sobre as leis e regulamentos vigentes. É fundamental que o sistema jurídico adote medidas para verificar a legitimidade das ações propostas. Um sistema de triagem para pedidos urgentes pode ser uma boa estratégia para inibir fraudes e garantir que liminares sejam concedidas de forma justa.
Medidas para combater a fraude
Para enfrentar a fraude na judicialização da saúde, é preciso um esforço conjunto:
Fortalecimento da fiscalização: Intensificar a fiscalização das cobranças realizadas pelas operadoras, assegurando a justiça nos valores e serviços prestados.
Educação e conscientização: Campanhas educativas são essenciais para prevenir que pessoas bem-intencionadas sejam enganadas. Informar a população sobre seus direitos e os riscos de fraudes é crucial.
Colaboração interinstitucional: A união entre Judiciário, operadoras de saúde e clínicas pode criar um sistema mais transparente e eficiente, permitindo a detecção e coibição de fraudes.
Aperfeiçoamento da análise de documentos: Implementar critérios rigorosos na análise de laudos médicos e documentos apresentados em processos judiciais.
Treinamento de profissionais: Capacitar advogados, juízes e servidores do Judiciário para identificar sinais de fraudes e irregularidades.
Criação de câmaras de conciliação: Estabelecer câmaras especializadas em saúde para resolver disputas de forma rápida e eficiente.
Monitoramento de ações judiciais: Criar um sistema para registrar e analisar padrões de ações judiciais, permitindo a identificação de comportamentos suspeitos.
Regulamentação de honorários: Estabelecer regras claras sobre honorários advocatícios em casos de saúde, evitando incentivos para ações fraudulentas.
Incentivo à denúncia: Criar canais seguros e anônimos para que cidadãos e profissionais da saúde possam denunciar fraudes.
Integração de dados: Promover a integração de sistemas de informações entre operadoras de saúde e o Judiciário.
Auditoria das faturas das clínicas: Implementar um sistema regulatório que exija a auditoria de faturas com valores elevados, garantindo transparência e integridade nas relações entre operadoras, clínicas e pacientes.
Essas medidas, se implementadas em conjunto, podem não apenas reduzir a fraude, mas também restaurar a confiança no sistema de saúde, beneficiando todos os envolvidos.
Conclusão
A judicialização da saúde, embora necessária, pode ser distorcida por práticas fraudulentas que ameaçam a integridade do sistema. É vital que a sociedade se una em defesa do verdadeiro propósito da justiça: garantir acesso a tratamentos adequados, sem que o Judiciário se torne um instrumento de vantagem indevida. A luta por direitos deve ser legítima, não um caminho para fraudes que colocam em risco a saúde de todos.
Chamada à ação: Se você suspeita de fraudes na judicialização da saúde, denuncie! Juntos, podemos proteger o sistema e os direitos de todos os cidadãos, garantindo que a saúde não seja um campo de batalha, mas um direito acessível a todos.
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Márcio Aguiar
Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.
Fonte: Migalhas – Fraudes na judicialização da saúde: Um desvio perigoso dos direitos