Especialistas discutem estratégias de combate ao trabalho infantil no TST

O seminário é promovido pelo TST e pelo CSJT.

O Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) iniciaram nesta quinta-feira (25) o 4º Seminário Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem. Nos dois dias de programação, representantes da Justiça do Trabalho, do Governo Federal e de instituições internacionais conduzem os debates para traçar estratégias de combate à exploração da mão de obra de crianças e adolescentes e para buscar propostas que promovam a aprendizagem.

Empenho

Ao abrir o seminário, o presidente do TST e do CSJT, ministro Brito Pereira, enfatizou a necessidade de empenho das pessoas e das instituições em ações visando não apenas ao presente, mas também ao futuro da infância e da adolescência. “Não temos mais o direito de ignorar as dificuldades passadas pelos nossos jovens. Temos o dever de salvá-los”, afirmou.

A ministra Kátia Magalhães Arruda, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, destacou que a sociedade brasileira precisa reafirmar os compromissos com os princípios fundamentais da Constituição da República. “Como aceitar que dois milhões de crianças sejam exploradas no trabalho infantil?”, questionou. “É chegada a hora de reler e de aprender o sentido da nossa Constituição”.

Também presente à abertura, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que o Poder Executivo compartilha das mesmas preocupações com o futuro das novas gerações. “Esse desafio é permanente”, assinalou. “A iniciativa do Tribunal merece todo elogio e todo o nosso engajamento”.

A mesa de abertura foi composta ainda por representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Trabalho infantil escravo

A conferência de abertura foi proferida pelo jornalista Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil. Ele procurou mostrar a conexão entre trabalho infantil e trabalho escravo.

“Os dados indicam uma forte correlação entre letramento, baixos índices de escolaridade e vulnerabilidade para o trabalho escravo”, afirmou Sakamoto, ao apresentar gráficos com estatísticas do Ministério do Trabalho e da Comissão Pastoral da Terra. “Os baixos níveis de educação contribuem para a vulnerabilidade dos trabalhadores ao tráfico de seres humanos e à escravização”.

Outra conexão apontada foi entre as experiências passadas de pessoas com o trabalho infantil, nas quais crianças e adolescentes são envolvidos com o trabalho, e não com a escola, e os padrões subsequentes, como o trabalho escravo como adultos. “A maioria dos trabalhadores escravizados começou a trabalhar na infância”, assinala o jornalista. “O combate a esses dois problemas, portanto, precisa estar conectado”. Daí, segundo ele, a necessidade de ações coordenadas e de políticas públicas de universalização do ensino básico. Como exemplo, citou os programas de transferência de renda condicionados à manutenção das crianças na escola, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Bolsa Família.

Como reflexão final, Sakamoto afirmou que o Estado brasileiro não deveria ser um ente apartado do povo, mas servir ao povo e atender às suas necessidades. “A falta de fé no Estado brasileiro, no poder público e nas instituições ajudaram a chegar ao ponto em que estamos agora, que é um ponto extremamente complicado para a manutenção da nossa própria democracia”, afirmou. “É necessário trazer novamente as instituições para o desafio de fazer sentido novamente para as pessoas que elas deixaram para trás na esteira do desenvolvimento econômico dos últimos anos”.

Visão internacional

No painel “Os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e a erradicação do trabalho infantil no Brasil e no mundo”, o diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Martin Hahn, apresentou diversos dados que demonstram que o trabalho infantil limita o desenvolvimento pleno das crianças, condenando-as à condição de pobreza. Segundo Hahn, a pobreza é o fator determinante para a ocorrência de trabalho infantil. “Quanto mais aumenta a insatisfação das necessidades básicas (saúde, educação, moradia), aumenta proporcionalmente a taxa de trabalho infantil”, afirmou.

O especialista enumerou como desafios atuais para combater o trabalho infantil e estimular a aprendizagem a construção de uma ponte para a busca de um emprego juvenil decente, o aprimoramento das estratégias de transição da escola para o trabalho, o fortalecimento da aprendizagem para inserção dos adolescentes no mundo formal do trabalho, a conquista de uma escola que acolha as crianças em período integral, o engajamento dos municípios em projetos de aprendizagem, a importância do diálogo social, o aprimoramento das políticas para o campo e a busca da construção de um conhecimento coletivo na tentativa de efetivar ações para erradicar o trabalho infantil. Por fim, destacou que é preciso “passar da intenção à ação” e lutar para que o Brasil esteja livre do trabalho infantil até 2025.

No encerramento de sua exposição, Hahn citou uma frase do ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) Ban Ki-Moon: “Somos a primeira geração que pode erradicar a pobreza e a última geração que pode salvar o planeta”. Isso, segundo o diretor da OIT, se estende à erradicação do trabalho infantil.

No mesmo painel, o professor Valério de Oliveira Mazzuoli, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), falou sobre o controle de convencionalidade e as Convenções 138 e 182 da OIT, que tratam da questão do trabalho infantil. O controle de convencionalidade é um instrumento equivalente ao controle de constitucionalidade – só que tendo como paradigma as convenções e tratados internacionais, em lugar da Constituição da República. Trata-se, portanto, de adaptar as leis internas aos comandos das convenções internacionais, invalidando as que foram contrárias a elas.

Para Mazzuoli, é obrigação do magistrado, ao decidir, levar em conta os princípios internacionais relativos à matéria em julgamento. “Num caso que envolva o trabalho de uma criança do sexo feminino, indígena, refugiada e com deficiência, a decisão deve considerar todos os princípios da ONU relativos aos direitos das crianças, das mulheres, dos indígenas, dos refugiados e assim por diante”, exemplificou. “Nesse caso, a sentença beirará a perfeição”.

Na sua avaliação, a Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário que tem dado o melhor exemplo nesse sentido no Brasil. “Há uma porta aberta para a interpretação do Direito Internacional”, concluiu.

Sistema de Justiça

“O sistema de Justiça e o combate ao trabalho infantil” foi o tema geral do segundo painel. A primeira expositora foi a desembargadora Margareth Costa, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) e conselheira da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), que tratou da formação de juízes, procuradores, advogados e integrantes do sistema de garantias para o tratamento do trabalho infantil. A desembargadora pediu que todos os magistrados refletissem sobre a adoção de uma nova postura ética por parte das escolas judiciais e de um compromisso de acolhimento que possa dignificar vidas e contribuir para a construção de uma nova ordem humanitária que traga afetividade e fraternidade.

“Faz-se urgente traçar um roteiro novo de libertação em que não há acaso, firmando uma nova pedagogia, a do afeto, que tenha por guia a compaixão e o conhecimento”, defendeu. “Embora pareça simples, proponho uma pequena revolução”. Para a desembargadora, a Justiça deve se firmar como garantidora de direitos e deveres para aqueles que estão sob a sua rede de proteção.

O desembargador João Batista César, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT da 15ª Região (Campinas/SP), falou sobre a experiência bem-sucedida dos Juizados Especiais da Infância e Adolescência (JEIAs) na Justiça do Trabalho. Os JEIAs foram criados para julgar casos envolvendo crianças e adolescentes e, principalmente, ações civis públicas visando ao cumprimento da cota de aprendizagem pelas empresas. “Queremos ser mais um integrante na rede de proteção das crianças e dos adolescentes”, afirmou.

O advogado trabalhista Luis Carlos Moro, presidente da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho (Jutra), finalizou o painel tratando do papel da advocacia no combate ao trabalho infantil. Ele pediu a todos os advogados que se engajem nesse compromisso. “A vulnerabilidade da infância é um traço igualador quase tanto quanto a morte dos seres humanos. Esse aspecto faz com que tenhamos que nos imbuir do espírito de sermos protetores obrigatórios da infância e da juventude. É uma questão moral e profundamente ética”, afirmou.

Acidentes de trabalho e doenças ocupacionais infantis

O painel que abordou o tema contou com a participação do juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho Homero Batista Mateus da Silva e do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).

O juiz Homero Mateus da Silva falou sobre o trabalho precoce como uma tragédia anunciada. Para ele, o principal ponto não são as estatísticas, mas a discussão em torno da aprendizagem. Segundo ele, a diferença entre a idade fixada na Constituição e na Convenção 138 da OIT “causa uma confusão nas pessoas, que ficam sem saber a diferença entre menor aprendiz e jovem aprendiz”. Outro ponto ressaltado em sua exposição foi o problema dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Para ele, trata-se de uma questão complicada: por um lado, as indústrias não podem fabricar EPIs para crianças; por outro, muitas morrem por acidente de trabalho.

O desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira falou sobre danos materiais e morais decorrentes de acidentes de trabalho com crianças e adolescentes e explicou as diferenças entre dano patrimonial, existencial e moral. O desembargador também tratou dos direitos da criança, do adolescente e da família em caso de morte e das singularidades envolvendo a indenização no caso de acidentes com crianças ou adolescentes. Uma delas é a liberação de valores, que só pode ser feita depois que a criança ou o adolescente completar 18 anos.

De acordo com o magistrado, é culpa do empregador quando o acidente ocorre com alguém abaixo da idade mínima permitida para o trabalho, atuando em trabalho insalubre e sem treinamento e orientação adequada. “Uma das grandes responsabilidades do empregador é treinar o empregado para o trabalho, e muitas vezes o menor está ali improvisando”, destacou.

O desembargador observou que houve um período de indiferença das pessoas em relação ao trabalho infantil. Mas, na sua avaliação, agora o inconformismo está maior e logo a sociedade não vai mais tolerar o trabalho precoce.

Fonte: TST