Súmula 410/STJ ainda vige na nova sistemática do CPC/15?

Por Felice Balzano

A Lei 11.232/05 positivou a possibilidade de concessão de tutela específica da obrigação. A partir daí, o STJ editou a Súmula 410, cujo enunciado reza que: “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.

Essa ratio foi sendo aplicada pelos órgãos fracionários do STJ até que no julgamento do EAg 857.758/RS houve realinhamento da questão. Permitiu-se que a intimação do devedor prevista na súmula seja feita pela imprensa, endereçada ao advogado, nas execuções iniciadas após a vigência da Lei 11.232/2005.

Essa ressalva na súmula gerou insegurança jurídica, haja vista que somente parte do STJ passou a aplicar o “novo entendimento”. Pouco tempo depois, no julgamento do REsp 1.349.790/RJ, a ministra Isabel Gallotti, diante da divergência entre a súmula e o precedente, sugeriu a afetação do recurso para a 2ª Seção, explicando — a partir das notas taquigráficas do EAg 857.758/RS —, que naquela sessão a então relatora propôs a revisão sumular, o que foi recusado pelos integrantes da seção, prosseguindo-se, então, ao julgamento do recurso. A ementa do acórdão foi redigida como se tivesse havido revisão na Súmula 410, dando a entender ter havido ooverruling da orientação.

Essa conjuntura — que até causou desconforto entre os ministros presentes — levou a julgamento vários precedentes com base nessa pseudoalteração.

Apesar desse alento esclarecedor, a problemática persiste, pois a 1ª Seção ainda vem aplicando o entendimento superado, fazendo com que subsistam duas interpretações antagônicas para um mesmo dispositivo legal, sobre idêntica base empírica.

Um quadro sombrio, vindo de quem vem — o órgão jurisdicional máximo da interpretação de tratados e de lei federal. A vinculação do tribunal aos seus próprios precedentes é uma decorrência da isonomia, de forma que onde subsistirem as mesmas razões, devem ser proferidas as mesmas decisões. O que é condenável não é a revisão da súmula, mas sim a falta de atenção com o que restou efetivamente decidido no EAg 857.758/RS.

O CPC/15 trouxe alterações significativas, propiciando a simplificação da entrega da prestação jurisdicional. O princípio da eficiência foi alçado à condição de norma fundamental, impondo ao Estado, em todos os seus níveis, severa obediência à eficiência no desempenho do múnus público.

Atento à integridade da interpretação legal, o CPC/2015 impõe de um sistema mais rígido de respeito aos precedentes, com observância a uma miríade de regras e princípios destinados à conservação da unidade da jurisprudência, a fim de mantê-la estável, íntegra e coerente (artigo 926).

Dispõe também, detalhando melhor o que continha o CPC/73, que no cumprimento de sentença o devedor será intimado: a) pela imprensa, na pessoa de seu advogado constituído; b) por carta com aviso de recebimento, quando não tiver advogado; c) por e-mail fornecido, quando não tiver advogado; d) por edital, quando for revel (CPC, artigo 513, parágrafo 2º).

Aparentemente, o inciso “I” se aplica a todas as sentenças — de pagar, fazer, não fazer e entregar — e a doutrina também entende pela possibilidade de intimação do devedor na pessoa do advogado (Marinoni, Arenhart, Medina, Teresa Wambier), não mais se justificando, por essa razão, a Súmula 410.

Discordamos do posicionamento por entender que não se altera a natureza das coisas por simples imposição legislativa. Há, de fato, regimes jurídicos diversos entre as espécies de tutela, não podendo se equiparar uma decisão mandamental (artigo 523) — de consequências mais drásticas — com uma decisão impositiva de pagamento (artigo 536).

Antes de ser multado, o devedor tem 15 dias para pagar — prazo inalterável, ainda que existam circunstâncias excepcionais. Já nas obrigações de fazer a lei permite ao juiz a fixação de “prazo razoável para cumprimento do preceito”, variável entre horas, dias a até anos, cenário incongruente com a intimação ficta do devedor.

Porém, as discrepâncias mais relevantes estão nas consequências do descumprimento. Deveras, o inadimplemento da obrigação de pagamento resulta na incidência única da multa de 10% enquanto que o descumprimento do facere permite ao juiz aplicar “as medidas necessárias à satisfação do exequente”, o que permite a imputação de medidas de apoio — multa, busca e apreensão, remoção de pessoas etc.

Nesse caso, as consequências do inadimplemento têm incidência ilimitada e vão sendo paulatinamente agravadas de acordo com a recalcitrância do devedor, até a integral satisfação do comando ou sua conversão em perdas e danos. Isso pode ultrapassar em muito o valor da própria obrigação principal, não sendo incomum a fixação de valores expressivos de multa diária, em demandas que sequer apresentam conteúdo econômico imediato, de forma que representa uma temeridade presumir-se a validade da intimação do devedor na forma preconizada pelo CPC/2015.

A lei vem transferindo indevidamente atribuições atinentes à função judicante para o advogado, quando este está vinculado somente à atividadepostulatória.

A presunção relativa de intimação da parte na pessoa do advogado converte o advogado em servo do Judiciário, tornando-o civilmente responsável pelo eventual descumprimento.

A simplificação do rito não fundamenta o atropelo de garantias fundamentais. A alteração legislativa se justifica na efetividade, mas somente podemos conceber uma legítima modificação em nome desta que também se justifique na segurança jurídica.

Esse encargo não pode ser transferido ao advogado quando suas atribuições estão muito bem solidificadas em lei, inexistindo nenhum argumento juridicamente sólido que justifique o abandono da Súmula 410, que, repita-se, encontra total consonância com a nova ordem processual.

Fonte: Conjur