Eficiência, por si só, não basta para combater morosidade do Judiciário

Na atualidade o Judiciário se defronta com vários problemas, conforme descrevem estudos e pesquisas realizados pela Secretaria de Reforma do Judiciário (2003), pelo Banco Mundial (2004) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (2003 em diante) etc. Dentre eles, destacam-se: morosidade, burocracia, legislação processual inadequada, carência numérica de juízes e servidores, falta de transparência, judicialização excessiva, estrutura inadequada, ausência de democratização do acesso à Justiça etc.

A morosidade é apontada como o maior problema da Justiça. Ela evidenciou-se a partir do advento da Constituição Federal de 1988, que contribuiu muito para uma “explosão de litigiosidade”, ou seja, um aumento considerável da quantidade de processos. No entanto, o Judiciário não contava com uma estrutura preparada para dar conta dessa demanda de maneira célere.

Desse modo, a preocupação com o tempo de duração do processo ganhoustatus de princípio: a Emenda Constitucional 45/2004 introduziu o inciso LXXVIII no art. 5º, com o seguinte teor: “LXXVIII — a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Diante desse quadro, a celeridade da prestação jurisdicional está em foco e em evidência quando se fala em gestão do Judiciário. Essa exigência embasa planejamentos estratégicos, planos de gestão, metas, produtividade, estudos, notícias, projetos etc (Resoluções 70/2009 e 198/2014 do CNJ, Resolução 313/2014 do Conselho da Justiça Federal, etc.).

Contudo, é preciso ponderar que o tempo do processo não é o tempo real da dinâmica social e da economiza globalizada (Faria, 2004), sendo necessário, no processo judicial, garantir princípios constitucionais e processuais, especialmente do contraditório e da ampla defesa, além de se atender ao requisito da fundamentação analítica das decisões judiciais (agora positivado no artigo 489, parágrafo 1º, do Novo CPC).

Nesse contexto, surge a reflexão sobre o problema da ênfase na celeridade em detrimento da qualidade das decisões judiciais. É suficiente, para se garantir a efetividade da tutela jurisdicional, que o processo tenha um curso rápido mesmo que isso possa implicar em perda da qualidade?

Para responder essa indagação cumpre analisar a diferença entre os conceitos de eficiência, eficácia e efetividade, de acordo com a moderna teoria da Administração, considerando que o Direito não se ocupa dessa distinção.

No âmbito do Direito também há o conceito de eficiência, que foi instituído como princípio na Constituição Federal de 1988, visando romper com o sistema baseado na burocracia estatal e migrar para um sistema gerencial, nos mesmos moldes das organizações privadas. A maioria da doutrina encara esse princípio como um requisito para que a Administração Pública atue com qualidade, presteza, produzindo resultados positivos (Di Pietro, 2002, p. 83).

Todavia, essa definição do princípio da eficiência tem mais pertinência com a junção dos termos “eficiência ” e “eficácia”, que resulta em “efetividade”, considerando as noções trazidas da ciência da Administração.

Peter Drucker propôs o julgamento do desempenho de um administrador através de dois critérios: eficácia — capacidade de fazer as coisas ‘certas’ — e eficiência — a capacidade de fazer as coisas ‘certo’. Segundo Drucker, a eficácia é o mais importante, pois nenhum nível de eficiência, por maior que seja, irá compensar a escolha dos objetivos errados (Stoner e Freeman, 1995. p. 136).

Segundo Chiavenato (1994, p. 70): “Eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida normativa da utilização dos recursos nesse processo. (…) A eficiência é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível (…). À medida que o administrador se preocupa em fazer corretamente as coisas, ele está se voltando para a eficiência (melhor utilização dos recursos disponíveis). Porém, quando ele utiliza estes instrumentos fornecidos por aqueles que executam para avaliar o alcance dos resultados, isto é, para verificar se as coisas bem feitas são as que realmente deveriam ser feitas, então ele está se voltando para a eficácia (alcance dos objetivos através dos recursos disponíveis)” .

Com base nessas lições, quando o juiz profere uma sentença dentro do prazo legal/razoável, ele foi eficiente, pois fez “certo a coisa”. Contudo, isso basta? É suficiente cumprir prazos para que se possa falar em fazer justiça de fato? Não, é preciso também que o juiz atue com eficácia, principalmente quando se exige maior reflexão sobre o caso, fazendo “a coisa certa”, proferindo uma sentença fundamentada, adequada, justa, que analise as peculiaridades do caso concreto. Assim, o ideal é “fazer certo a coisa certa” (eficiência e eficácia reunidas).

Todavia, a ênfase exagerada na necessidade de celeridade têm produzido decisões judiciais não dotadas de eficácia do ponto de vista da produção dos resultados justos e almejados pelo autor que postula a tutela jurisdicional ou pelo réu que se defende da pretensão.

Portanto, “fazer certo a coisa certa” é fazer a sentença dentro do prazo razoável, mas fundamentada, adequada e justa, a fim de solucionar de fato a controvérsia que foi trazida à apreciação do Judiciário. Somente assim a gestão do processo judicial será focada nos resultados pretendidos pelo cliente (autor ou réu), e não apenas na eficiência, nos meios, métodos, procedimentos ou prazos.

Dessa forma, quando o Judiciário for eficiente e eficaz será alcançada a “efetividade”, que é um conceito complexo e se relaciona, principalmente, com a avaliação acerca de como, de maneira adequada, uma organização cumpre sua missão, alcança seus objetivos previamente estabelecidos e se adapta a novas e constantes mudanças no ambiente (Hannan, M.T. & Freeman, J. , 1977).

Aplicando o conceito de efetividade à gestão do Poder Judiciário e, especialmente, ao combate à morosidade, será atingida a efetividade da prestação jurisdicional na medida em que o Judiciário cumprir de fato sua missão, atingir seus objetivos e se adaptar às mudanças ocorridas na sociedade e no ambiente organizacional.

Um Poder Judiciário efetivo sem dúvida gerará a satisfação do usuário do sistema judicial (advogado, procurador, servidor etc.) ou do jurisdicionado (autor, réu ou interessado), não obstante dificilmente seja possível satisfazer ao autor e réu ao mesmo tempo, o que é uma peculiaridade da decisão judicial.

Assim, eficiência só não basta! Embora possa ser satisfeito o princípio da razoável duração do processo isso não significa que se produziu uma decisão eficaz, justa e adequada que resolve o problema, pois “uma justiça célere não é necessariamente uma justiça melhor” (Corrêa, p. 101).

Portanto, um Judiciário que desempenha suas funções com efetividade é aquele em que suas decisões observam a eficiência e são dotadas de eficácia do ponto de vista gerencial. Agindo dessa forma será possível cumprir os objetivos do Planejamento Estratégico Nacional, delineado pelo CNJ (Resolução CNJ 70/2009), que prevê como componentes, dentre outros, a “Missão — realizar justiça”, e a “Visão — ser reconhecido pela Sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e paz social”.

Fonte:Conjur