Os impactos econômicos da litigância abusiva nas empresas de telefonia

A litigância abusiva – também conhecida como litigância irresponsável ou temerária – tem exigido crescente atenção, não apenas da comunidade jurídica, mas de toda a sociedade. Trata-se do uso desmedido e infundado do sistema Judiciário com finalidades muitas vezes oportunistas, gerando impactos substanciais, sobretudo nas empresas de telefonia. Tais impactos extrapolam os limites financeiros e alcançam o cerne da capacidade de inovação tecnológica, afetando a competitividade e, em última análise, a qualidade dos serviços ofertados à população.

À medida que cresce o volume de ações judiciais contra essas empresas, observa-se um efeito cascata que compromete investimentos, desestimula parcerias estratégicas e faz sucumbir a confiança em projetos de inovação.

A seguir, abordo os principais efeitos da litigância abusiva sobre o ambiente de inovação tecnológica das empresas de telecomunicações, com destaque para a proliferação de ações fundadas em supostas ligações indesejadas – muitas vezes alheias à realidade – relacionadas à oferta de serviços ou cobranças.

Desvio de recursos financeiros e ambiente de incerteza

Um dos impactos mais imediatos da litigância abusiva é o desvio de recursos financeiros consideráveis para a defesa em juízo. Os custos incluem despesas processuais, honorários advocatícios, encargos administrativos e a necessidade de manter equipes inteiras voltadas à gestão de litígios. Recursos que deveriam ser alocados em PD&I – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação são direcionados à contenção de passivos jurídicos, comprometendo o avanço tecnológico e o aprimoramento dos serviços.

Além disso, o ambiente de insegurança jurídica promovido pela judicialização excessiva inibe a tomada de risco inerente à inovação. O receio de que a introdução de novas tecnologias ou modelos de negócios gere reações judiciais imediatas impõe um freio à criatividade, favorecendo posturas conservadoras e retraídas. O foco desloca-se da inovação para a mitigação de riscos artificiais, o que, por sua vez, compromete a evolução dos serviços e a redução de custos aos consumidores.

Essa mentalidade passiva e defensiva afeta a cultura organizacional, de maneira ampla e desmedida, instaurando uma lógica de contenção e exagerada conformidade legal em detrimento da ousadia necessária ao progresso tecnológico.

Alegações de ligações excessivas: Entre o direito e o abuso

Dentre as ações mais recorrentes na litigância abusiva contra empresas de telefonia, destacam-se aquelas relacionadas a supostas ligações excessivas de telemarketing ou cobranças. Embora o incômodo causado por chamadas indesejadas seja uma preocupação legítima, é preciso reconhecer que muitas dessas ações carecem de fundamento ou são baseadas em percepções distorcidas, mal-entendidos ou, em casos mais graves, movidas com intuito meramente oportunista.

Essa natureza de judicialização arrasta as empresas à obrigação de se defender de versões de fatos inexistentes ou juridicamente insustentáveis. O resultado é a sobrecarga do Judiciário e a drenagem de tempo e recursos que poderiam ser empregados na melhoria da experiência do usuário, na digitalização de canais de atendimento ou na modernização de soluções para personalização dos serviços.

A regulamentação como mecanismo de equilíbrio

A atuação regulatória no setor de telecomunicações é essencial para evitar abusos e garantir o equilíbrio entre os direitos dos consumidores e a sustentabilidade das empresas. Além do CDC e da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, o marco civil da internet (lei 12.965/14) estabelece parâmetros sobre a responsabilidade das empresas no ambiente digital. Já a resolução 632/14 da ANATEL consolida normas de proteção aos usuários de serviços de telecomunicações.

Normas claras, atualizadas e aplicadas de forma proporcional reduzem ambiguidades jurídicas que, não raro, alimentam litígios desnecessários. A atuação regulatória eficiente contribui ainda para a construção de mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos, reduzindo a necessidade de judicialização.

O serviço “Não me Perturbe” e a gestão proativa do contato com o consumidor

A implementação do serviço “Não me Perturbe”, sob regulação da ANATEL, é um exemplo de solução concreta que promove o respeito à privacidade do consumidor sem a necessidade de assolar o Judiciário. Trata-se de uma plataforma pela qual o usuário pode bloquear ligações de empresas de telemarketing. Ao mostrar que existem canais eficientes de gestão de preferências, a advocacia pode evidenciar ao Judiciário que muitas demandas judiciais seriam evitadas por medidas administrativas bem aplicadas.

O papel da advocacia na identificação e contenção da litigância abusiva

A advocacia desempenha papel central na contenção da litigância predatória. Por meio de estratégias processuais bem delineadas, é possível identificar padrões de abuso, reunir provas consistentes e demonstrar, de forma objetiva, a falta de mérito de determinadas ações. A consolidação de jurisprudência robusta contra esse tipo de conduta também depende da atuação diligente dos profissionais do Direito.

A advocacia estratégica tem, portanto, o potencial de, não apenas proteger as empresas, mas contribuir para o aperfeiçoamento do sistema judicial, desestimulando a replicação de ações infundadas e promovendo a responsabilização de litigantes de má-fé.

A atenção do Judiciário a práticas oportunistas

Nos últimos anos, o Judiciário tem demonstrado uma postura cada vez mais crítica e vigilante em relação às práticas de litigância abusiva. As decisões que reconhecem a improcedência de ações manifestamente infundadas e que aplicam sanções rigorosas por litigância de má-fé têm se tornado uma constante na jurisprudência. Essa atuação não apenas reforça a integridade do Poder Judiciário, mas também assegura que o acesso à justiça seja preservado para aqueles que realmente necessitam.

A criação, pelo CNJ, dos CIPJs – Centros de Inteligência dos Tribunais de Justiça representa um passo significativo nessa direção. Esses centros têm um papel fundamental na orientação dos magistrados sobre como identificar e lidar com ações que apresentem características de abusividade. As notas técnicas emitidas pelos CIPJs fornecem diretrizes claras para que os juízes possam adotar condutas adequadas ao se depararem com litígios oportunistas, promovendo uma litigância mais responsável e ética.

Dessa forma, os CIPJs não apenas auxiliam na identificação de práticas abusivas, mas também contribuem para a formação de um ambiente judicial mais consciente e rigoroso. Ao rechaçar o uso distorcido do direito de ação como um instrumento para a obtenção de vantagens indevidas, o Judiciário assume um papel crucial no equilíbrio das relações de consumo. Essa vigilância é essencial para proteger não apenas as empresas, mas também a integridade do sistema judicial, que deve permanecer livre de abusos que possam comprometer sua função social. Assim, ao combater a litigância abusiva, o Judiciário não só promove a justiça, mas também fomenta um ambiente de negócios mais justo e equilibrado.

Impactos na competitividade, nas parcerias e no desenvolvimento econômico

A inovação é o motor da competitividade, em especial no setor de telecomunicações. Empresas que conseguem direcionar recursos para a criação de novas tecnologias se destacam em um mercado cada vez mais dinâmico e digital. No entanto, quando a judicialização excessiva paralisa os investimentos, a capacidade de competir se esvai.

Adicionalmente, a insegurança jurídica afasta investidores e desencoraja parcerias com startups ou centros de pesquisa, inviabilizando colaborações que poderiam gerar ganhos significativos à sociedade. O capital deixa de circular, as oportunidades de emprego decaem e a cadeia de valor da inovação se fragiliza.

Imagem e reputação: O dano moral inverso

O alto número de ações judiciais – ainda que infundadas – pode prejudicar a imagem das empresas, criando uma percepção pública negativa, que não condiz com a realidade. O dano à reputação compromete a confiança do consumidor e dificulta a adesão a novos serviços. Trata-se de um fenômeno que pode ser interpretado como um “dano moral inverso”, em que a empresa é indevidamente exposta, sem que tenha incorrido em conduta irregular.

Neste contexto, a litigância abusiva torna-se um problema não apenas jurídico, mas também reputacional, com repercussões de longo prazo para a sustentabilidade empresarial.

Conclusão

A litigância abusiva configura um obstáculo real à inovação e ao desenvolvimento tecnológico das empresas de telefonia. Ao comprometer recursos, gerar incertezas e desestimular colaborações estratégicas, ela desaquece a competitividade do setor e limita os benefícios que poderiam ser entregues à sociedade. As ações relacionadas a supostas ligações indesejadas ilustram de forma clara como a judicialização infundada pode ganhar corpo e se tornar um entrave sistêmico.

Felizmente, observa-se um movimento coordenado entre reguladores, advogados e o Judiciário no sentido de reequilibrar esse cenário. A valorização de medidas extrajudiciais, o uso de ferramentas como o “Não me Perturbe” e a promoção de uma advocacia responsável são passos importantes para conter os abusos e proteger o ambiente de negócios.

Ao enfrentarem esse desafio com seriedade e alinhamento estratégico, as empresas de telecomunicações poderão retomar sua vocação inovadora e contribuir de forma ainda mais significativa para o avanço tecnológico e o bem-estar social.

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1 BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l13709.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

2 BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui a Lei de Defesa do Consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

3 BRASIL. Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

4 BRASIL. ANATEL. Resolução nº 632, de 7 de março de 2014. Aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações. Disponível em: https://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2014/668-resolucao-632. Acesso em: 20 out. 2023.

5 BRASIL. ANATEL. “Não me Perturbe: Como Funciona o Serviço de Bloqueio de Ligações de Telemarketing.” Disponível em: https://www.anatel.gov.br/. Acesso em: 20 out. 2023.

6 BRASIL. “Cadastro Não Me Perturbe.” Disponível em: https://www.naomeperturbe.com.br/. Acesso em: 20 out. 2023.

7 OLIVEIRA, José Carlos. “O Impacto do Sistema ‘Não me Perturbe’ nas Relações de Consumo.” Revista de Direito do Consumidor, vol. 12, n° 4, 2020, p. 45-56.

8 SANTOS, Maria Clara. “Telemarketing e o Direito do Consumidor: A Efetividade do ‘Não me Perturbe’.” Jornal dos Advogados, 2021. Disponível em: https://www.jornaldosadvogados.com.br/. Acesso em: 20 out. 2023.

result.titleMárcio Aguiar – Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

 

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/431131/os-impactos-economicos-da-litigancia-abusiva-nas-empresas-de-telefonia

Cooperação entre TST e Santander fomentará conciliação em processos trabalhistas

Tribunal Superior do Trabalho e o banco Santander firmarão nesta quinta-feira (22/5) um termo de cooperação judiciária para fomentar soluções consensuais nos processos em que o banco figure como parte reclamada. A união de esforços visa reduzir a litigiosidade, aprimorar a tramitação processual e estimular soluções por meio da conciliação com segurança jurídica e respeito aos direitos trabalhistas.

A partir da assinatura, serão promovidos mutirões e pautas específicas de audiências de conciliação, com apoio dos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejuscs) do TST e dos Tribunais Regionais do Trabalho. A iniciativa também prevê o compartilhamento de informações e o desenvolvimento conjunto de planos de trabalho, com indicadores claros de desempenho, como número de audiências feitas, desistências de recursos e valores conciliados. Pelo termo, o TST se compromete a oferecer suporte técnico ao banco, auxiliando-o na análise do acervo processual, para identificar processos passíveis de conciliação.

De acordo com o vice-presidente do tribunal e coordenador nacional da conciliação trabalhista, ministro Mauricio Godinho Delgado, a medida representa um passo importante na modernização da gestão processual e na promoção da cultura da conciliação. “Mais do que resolver processos, buscamos promover justiça social com agilidade, segurança jurídica e redução de conflitos.”

Por meio de projetos de cooperação judiciária voltados à conciliação, a Justiça do Trabalho propõe meios para lidar com altos volumes de ações de forma eficaz e estratégica. Ao aderir à colaboração, empresas podem otimizar seus fluxos jurídicos e contribuir para a pacificação social. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Fonte: ConJur – Adicionar novo post ‹ Corbo, Aguiar & Waise — WordPress

Tribunais mostram irritação com peças e até sustentações feitas por IA

Dois episódios ocorridos nos últimos dias — um deles no Supremo Tribunal Federal — mostram que o uso da inteligência artificial para a produção de peças processuais e outros procedimentos continua sendo superestimado. No caso mais recente, o ministro Cristiano Zanin, do STF, rejeitou reclamação constitucional redigida por uma ferramenta de IA. A decisão foi publicada na última segunda (12/5).

Apresentada por um servidor público demitido, a ação buscava anular acórdão do Tribunal Superior do Trabalho com o argumento de que o réu havia sido absolvido criminalmente — o que anularia a punição no âmbito administrativo. Na reclamação, o autor incluiu decisões anteriores do STF que supostamente embasavam suas alegações.

Para Zanin, contudo, os precedentes citados não tinham relação com o caso analisado ou sequer existiam. Além disso, o ministro observou que todas as páginas da petição continham a marca d’água “Criado com MobiOffice”, inscrita por um pacote de aplicativos que inclui um assistente de escrita com IA.

“O advogado parece ter usado inteligência artificial sem revisar depois e tentou enganar o STF com precedentes falsos e interpretações erradas”, disse Zanin. Além de rejeitar a petição, o ministro multou o autor por má-fé e ordenou que o caso fosse levado à OAB para a adoção de providências.

O outro episódio é do final de abril. Durante sessão ordinária da 2ª Turma Recursal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Paraná), um advogado usou a voz robotizada do Google Tradutor, também produzida por IA, para fazer sua sustentação oral diante do colegiado. A informação é do Migalhas.

O processo versava sobre concessão de benefício previdenciário. Ao ser chamado para se manifestar, o advogado anunciou que usaria a voz da tradutora virtual para fazer a sustentação. Ele, então, acionou a ferramenta, que narrou a argumentação. O advogado ainda pediu tempo extra para que a tradutora terminasse a leitura.

O juiz Alexandre Moreira repreendeu o advogado. “Doutor, isso está absolutamente repetitivo e desnecessário. Eu vou pedir para cortar o seu som”, disse o magistrado.

Outro membro da Turma Recursal afirmou que o advogado agiu com “desrespeito” ao obrigar os magistrados a ouvir a tradutora virtual.

“Se é para ser feito dessa forma, que se juntasse aos autos a gravação. Não vim aqui para ouvir gravação. Não tem cabimento.”

Mercantilização indevida

Ainda em abril, a 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro concedeu liminar mandando suspender um site que vendia petições feitas por inteligência artificial. De acordo com o processo, uma empresa de Curitiba oferecia aos clientes a criação, por meio da ferramenta virtual, de petições iniciais para ações em juizados especiais por R$ 19,90.

Ao decidir, a juíza Geraldine Vital anotou que o site “promove atividade materialmente equivalente à advocacia, por meio da utilização de publicidade ostensiva, captação ativa de demandas e serviços jurídicos padronizados”.

Além disso, segundo a julgadora, a publicidade usada pela plataforma ostentava “claro viés mercantil”, já que prometia “êxito e simplificação do trâmite judicial”.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a OAB-RJ passou a investigar a venda de petições feitas por IA. A apuração deu origem a uma ação civil pública contra as atividades praticadas pela plataforma. A seccional alegou mercantilização indevida da atividade jurídica.

Fonte: ConJur (Magistrados se irritam com peças e até sustentações feitas por IA)

Desafios da transformação dos escritórios de advocacia na era moderna

A consolidação dos escritórios de advocacia como verdadeiras empresas jurídicas é uma realidade do mercado contemporâneo, especialmente entre aqueles que atuam em setores de alta demanda.

A consolidação dos escritórios de advocacia como verdadeiras empresas jurídicas é uma realidade do mercado contemporâneo, especialmente entre aqueles que atuam em setores de alta demanda. Essa configuração impõe uma série de desafios e exigências que transcendem as práticas tradicionais da advocacia.

Desafios enfrentados pelos escritórios

Os escritórios de advocacia lidam com uma série de dificuldades significativas para se manterem competitivos dentro desse modelo de operação empresarial. Entre os principais desafios, destacam-se:

  • Mudança cultural: A estrutura empresarial exige uma mudança profunda de mentalidade entre advogados e suas equipes. Muitos profissionais, formados em abordagens tradicionais, ainda resistem à adoção de novas metodologias e tecnologias.
  • Investimento em tecnologia: A utilização de inovações como automação e inteligência artificial demanda investimentos substanciais. Escritórios de menor porte, em especial, enfrentam dificuldades para acompanhar esses custos, o que pode comprometer sua capacidade de competir.
  • Recursos humanos: A gestão eficiente de pessoas requer altos investimentos em recrutamento, treinamento e retenção de talentos, além da necessidade de manter quadros administrativos e financeiros bem estruturados.
  • Seguros de responsabilidade civil: Indispensáveis para mitigar riscos, os seguros representam custos adicionais que devem ser previstos nos orçamentos.
  • Departamentos financeiros: A criação de departamentos financeiros robustos é essencial para garantir a sustentabilidade dos escritórios, exigindo a contratação de profissionais qualificados e investimentos em tecnologia de gestão.
  • Sistemas de gestão sofisticados: Para otimizar operações e garantir eficiência, a implementação de sistemas avançados de gestão é imprescindível – embora custosa.
  • Jovens aprendizes e estagiários: A contratação desses profissionais agrega valor e diversidade, mas impõe desafios de supervisão, formação e atendimento às exigências legais.
  • Programas de diversidade: A promoção da diversidade e da inclusão é cada vez mais valorizada, mas demanda dedicação de recursos humanos e financeiros.
  • Concorrência aumentada: O ambiente de competição entre escritórios é cada vez mais acirrado, exigindo inovação constante e diferenciação estratégica.
  • Expectativas dos clientes: Os clientes buscam, além de soluções jurídicas, uma experiência de atendimento de alta qualidade, o que eleva o nível de exigência sobre os escritórios.

Esses fatores, combinados às pressões financeiras e à busca pela excelência no atendimento, tornam o ambiente da advocacia empresarial particularmente desafiador.

1. A evolução para empresas jurídicas

Os escritórios de advocacia operam, hoje, com modelos de negócios sofisticados, alinhando-se às práticas de gestão empresarial. A adoção de tecnologias avançadas – como automação, CRMs e análise de dados – é essencial para a eficiência operacional. A McKinsey & Company afirma: “a digitalização não é apenas uma opção; é uma condição essencial para a sobrevivência no mercado jurídico contemporâneo”.

2. Gestão de custos operacionais

Gerenciar custos como salários, aluguel, tecnologia e marketing é indispensável para a operação sustentável dos escritórios. Embora a Deloitte observe que “investimentos em tecnologias de gestão tendem a reduzir significativamente os custos operacionais”, manter a qualidade do serviço continua sendo um desafio constante.

3. Diversificação de serviços

A diversificação dos serviços jurídicos, com a incorporação de áreas como compliance, mediação e arbitragem, amplia fontes de receita e atende melhor às demandas dos clientes. A PwC destaca que “clientes buscam soluções integradas, pressionando os escritórios a expandirem suas capacidades”.

4. Dinâmica operacional e engenharia de processos

A operação moderna dos escritórios demanda engenharia de processos, com criação de fluxos de trabalho eficientes e o uso de métricas de desempenho. Especialistas afirmam: “a eficiência operacional é um diferencial competitivo fundamental”.

5. O desafio do equilíbrio financeiro

Manter a saúde financeira exige rigor no planejamento e controle de gastos. A metáfora da “xícara cheia no pires pequeno” expressa a necessidade de gestão cuidadosa, evitando comprometer a sustentabilidade financeira.

6. Remuneração de parceiros e limitações orçamentárias

Departamentos jurídicos e escritórios enfrentam dificuldades para equilibrar remuneração de parceiros e limitações orçamentárias. O Legal Executive Institute ressalta que “as pressões orçamentárias impulsionam a busca por parcerias estratégicas e transparentes”.

7. O papel da inteligência artificial na advocacia

A inteligência artificial oferece soluções eficientes para atividades repetitivas, como análise de documentos e pesquisas jurídicas. Contudo, a supervisão humana é indispensável, especialmente para a interpretação contextual e a gestão da relação com clientes. A Thomson Reuters aponta: “a IA pode gerar economias significativas de tempo, mas a intervenção humana permanece essencial”.

8. Relação entre escritórios e departamentos jurídicos

O fortalecimento da colaboração entre escritórios e departamentos jurídicos favorece a comunicação, a compreensão das necessidades e o desenvolvimento de estratégias eficazes, inclusive com bonificações baseadas em resultados.

9. Sustentabilidade financeira nos contratos

A sustentabilidade financeira é fundamental nos contratos entre empresas e escritórios parceiros. Relações transparentes e a gestão equilibrada de riscos garantem benefícios mútuos a longo prazo.

10. Segurança jurídica na contratação de advogados

A contratação de advogados autônomos ou vinculados a escritórios exige atenção aos riscos jurídicos e trabalhistas. Contratos claros, rígidos e leais na estrutura, assim como os necessários mecanismos de supervisão são essenciais para mitigar essas vulnerabilidades que, descuidados, na essência, forma e conteúdo, podem gerar prejuízos financeiros elevadíssimos para ambas as partes.

11. O valor da ética nas relações

A ética é o alicerce das relações entre escritórios e seus clientes. A prática ética protege a reputação, fortalece parcerias e sustenta a confiança mútua, como enfatiza a American Bar Association: “a ética é fundamental para a prática da advocacia”. A ética é um parceiro indissociável dos próprios serviços que são prestados. A lealdade na relação é um meio de resultado.

12. Gestão de erros e qualidade nos resultados

Manter a qualidade dos serviços diante de um volume elevado de demandas é um desafio constante. A Altman Weil destaca: “a qualidade do serviço prestado impacta diretamente na satisfação e retenção de clientes”. A eliminação de falhas na operação ainda é um dos grandes desafios de qualquer escritório que atua na advocacia de volume. A gestão de riscos através de fluxos e procedimentos bem definidos com a padronização dos processos ajuda a evitar e diminuir erros, contribuindo para a melhoria contínua na qualidade dos serviços prestados para o cliente.

Conclusão

A consolidação dos escritórios de advocacia como empresas jurídicas é uma realidade incontornável do cenário atual. Adaptar-se às exigências de gestão empresarial, incorporar tecnologia e inovação, e agir com responsabilidade ética são fatores cruciais para a sustentabilidade e a competitividade. O futuro da advocacia será moldado pela eficiência, pela colaboração estratégica e pelo compromisso contínuo com a excelência

Márcio Aguiar

Márcio Aguiar
Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

 

TRAMBIQUES NA MIRA – CNJ prepara ferramenta para mapear litigância predatória em todo o país

O Conselho Nacional de Justiça trabalha em um painel interativo para mapear as principais ações relacionadas à litigância predatória nos tribunais do país. A informação é do site Hora Jurídica.

CNJ se prepara para travar batalha contra a litigância predatória em todo o país

Segundo a conselheira Daniela Madeira, responsável pela iniciativa, a ideia é que, por meio do painel, informações sobre esses processos sejam compartilhadas em todo o Judiciário da maneira mais rápida possível.

Alguns tribunais, de acordo com a conselheira, já estão adiantados na identificação da litigância predatória, como o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP) e os Tribunais de Justiça de Minas Gerais, Piauí e Mato Grosso do Sul.

Efeito Bottura

A ofensiva do CNJ contra a litigância predatória ocorre em um momento em que a prática está em evidência por causa da prisão do litigante profissional Luiz Eduardo Auricchio Bottura. Ele foi detido no último dia 4, no município de Selvazzano, na região do Vêneto, na Itália. Bottura tinha contra si um mandado de prisão internacional emitido pela Interpol.

Em novembro do ano passado, a juíza Juliana Trajano de Freitas Barão, da 1ª Vara Criminal de São Paulo, decretou a prisão preventiva de Bottura e da mulher dele, Raquel Fernanda de Oliveira. No mês seguinte, ela foi presa preventivamente. Os dois são réus em uma ação penal que trata da prática dos crimes de associação criminosa; inserção de dados falsos em sistema de informações; falsificação de documento público; usurpação de função pública; prevaricação; e violação de sigilo funcional.

Quem é o litigante profissional?

Conforme já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico em diversas reportagens, Luiz Eduardo Auricchio Bottura é um litigante profissional que aparece como parte em mais de três mil processos.

Condenado cerca de 300 vezes por litigância de má-fé, ele se especializou em constranger desafetos se valendo de diversas brechas do sistema de Justiça, como a indicação de endereços errados de suas vítimas para provocar falsas revelias. Já nas ações em que é réu, faz uso de estratégia parecida, mas para escapar da lei penal e não ser localizado.

Outra técnica do arsenal do litigante é processar magistrados para obrigá-los a se declarar impedidos de julgá-lo. Para inibir quem o contraria, já processou um presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), os advogados das partes que o processaram e até o então secretário de Segurança de Mato Grosso do Sul quando ele foi preso e seu nome e foto apareceram no site do governo.

 

Fonte: ConJur – https://www.conjur.com.br/2025-abr-22/cnj-prepara-ferramenta-para-mapear-litigancia-predatoria-em-todo-o-pais/

A inteligência artificial na advocacia: Transformações, desafios e o futuro do Direito

1. Introdução

A inteligência artificial tem revolucionado diversos setores, e o Direito não é uma exceção a essa regra. De fato, a advocacia e o Poder Judiciário têm experimentado, nos últimos anos, transformações significativas, impulsionadas pela adoção de tecnologias inteligentes, que não apenas otimizam processos, mas também redefinem a forma de atuação dos advogados, como os casos são analisados e como a justiça é administrada. Nos Estados Unidos da América e em países europeus, por exemplo, a aplicação de ferramentas baseadas em IA é uma realidade consolidada, com resultados que se desdobram desde a redução de custos até a democratização do acesso à justiça. No entanto, no Brasil, embora haja avanços, ainda persistem desafios relacionados à regulamentação, à aceitação cultural e à infraestrutura tecnológica.

Mas persiste, em solo nacional, como um dos principais equívocos no debate sobre IA na advocacia, algo que já tratei em uma entrevista concedida para a revista portuguesa Pontos de Vista (https://pontosdevista.pt/2024/06/24/o-advogado-e-a-inteligencia-artificial/), o seu tratamento como um mecanismo de automação de atividades. Enquanto a automação se refere à execução de tarefas repetitivas por meio de sistemas programados, como softwares de gestão de processos, a IA envolve a capacidade de aprendizado, análise e tomada de decisões com base em dados e padrões complexos. Para ilustrar: um sistema automatizado pode preencher formulários jurídicos, mas uma ferramenta de IA pode prever o resultado de casos judiciais com base em jurisprudência e dados históricos. Essa distinção é fundamental para compreender o potencial transformador da IA no Direito. Este, certamente, é o ponto de inflexão que ordena as ideias e os respectivos conceitos de cada ação dentro do espectro da advocacia. Sem essa diferenciação nós continuaremos andando em círculos.

Para contribuir, modestamente, com os debates sobre a aplicação da IA na advocacia, destacamos suas implicações práticas, benefícios e desafios. Para isso, serão analisados casos de sucesso nos países desenvolvidos do Ocidente, onde a IA já é amplamente utilizada em escritórios de advocacia e Judiciário. Além disso, faz-se mister desmistificar conceitos, apresentar tecnologias emergentes e discutir questões éticas e regulatórias. Pretende-se, ainda, oferecer uma visão prospectiva sobre o futuro da advocacia em um mundo cada vez mais influenciado pela IA.

2.Fundamentos da inteligência artificial na advocacia (visão primária)

A IA pode ser definida como um conjunto de tecnologias que permitem às máquinas realizar tarefas que, tradicionalmente, exigiriam inteligência humana, como aprendizado, raciocínio e tomada de decisões. No contexto jurídico, a IA é aplicada para analisar grandes volumes de dados, identificar padrões e fornecer insights que auxiliam advogados e juízes em suas atividades. Diferentemente de sistemas tradicionais, que dependem de regras pré-programadas, a IA utiliza técnicas como ML – Machine Learning e NLP – Processamento de Linguagem Natural para “aprender” com os dados e melhorar seu desempenho ao longo do tempo. Um exemplo prático dessa eficiência é a redução em até 30% do tempo exigido para a revisão de contratos, graças à capacidade de identificar cláusulas críticas e sugerir alterações com base em práticas jurídicas validadas (MCKINSEY & COMPANY, 2023). Essa eficiência decorre da capacidade de a IA processar milhares de documentos em minutos, o que se mostra impraticável para um ser humano.

No cerne da aplicação da IA na advocacia, estão três pilares tecnológicos principais: ML, NLP e Big Data. O ML envolve algoritmos que aprendem com dados históricos para prever resultados ou classificar informações. No Direito, o ML é usado para prever decisões judiciais com base em jurisprudência. Um breve parênteses para lembramos da expressão jurimetria, tão utilizada no campo da advocacia, em escritórios e departamentos jurídicos há, pelo menos, duas décadas. O termo foi criado em 1948 por Lee Loevinger, um jurista americano (Loevinger 1948).

Um caso emblemático, retomando o tema, é o sistema CaseCrunch, desenvolvido no Reino Unido, que em 2018 foi responsável por prever corretamente 86,6% dos resultados de casos de proteção ao consumidor, contra 66,3% dos advogados (CASELLATI, 2018).

Já o NLP permite aos computadores entender e gerar linguagem humana, sendo amplamente utilizado para analisar contratos, petições e decisões judiciais. A plataforma ROSS Intelligence, como exemplo, usa NLP para responder a perguntas complexas de advogados com base em milhões de documentos jurídicos.

Por fim, o Big Data é essencial para treinar algoritmos de IA, a partir da análise de grandes volumes de dados, como processos judiciais, legislações, doutrinas e jurisprudências. Foi constatado que escritórios que adotam soluções baseadas em Big Data conseguem reduzir em até 40% o tempo de pesquisa jurídica (THOMSON REUTERS, 2022).

Apesar dos benefícios significativos, a IA também apresenta limitações dignas de nota. Certamente, entre os principais benefícios estão a eficiência, com a redução do tempo gasto em tarefas repetitivas, como revisão de documentos e pesquisa jurídica; a precisão, que minimiza erros humanos em análises complexas; e o acesso à justiça, com ferramentas como chatbots jurídicos que permitem que cidadãos comuns obtenham orientação jurídica básica, de forma rápida e confiável.

No entanto, a IA não está isenta a enfrentamento de grandes desafios: um dos mais críticos é o viés algorítmico, onde sistemas de IA podem perpetuar preconceitos presentes nos dados usados para treiná-los. Algoritmos de predição judicial, por exemplo, tendem a refletir vieses raciais e socioeconômicos presentes em decisões históricas (STANFORD LAW SCHOOL, 2021). Ademais, a dependência de dados é uma limitação significativa, já que a eficácia da IA depende da qualidade e quantidade dos dados disponíveis. Em países com sistemas judiciários menos digitalizados, ergue-se, então, um obstáculo considerável. Também não se deve desprezar a falta de transparência em muitos algoritmos de IA, que operam como “caixas pretas” e dificultam a compreensão de como certas decisões foram tomadas, levantando questões éticas e de responsabilidade.

3. Aplicações práticas da IA na advocacia

É de amplo conhecimento que a IA já está transformando a prática jurídica em diversas frentes, desde a análise de documentos até a previsão de resultados judiciais. Uma das aplicações mais difundidas é a análise e revisão de documentos jurídicos. Ferramentas como Kira Systems e LawGeex utilizam NLP para identificar cláusulas críticas em contratos, comparar versões de documentos e sugerir alterações com base em melhores práticas. Em 2018, a plataforma LawGeex alcançou uma precisão de 94% na revisão de contratos (LAWGEEX, 2018). Essa eficiência não apenas reduz o tempo gasto em tarefas repetitivas, mas também minimiza erros humanos, que podem ser custosos em contextos jurídicos. Essa precisão, quase cirúrgica, também já foi alcançada pela inteligência humana, mas com um gasto de tempo infinitamente superior.

Outra aplicação impactante é a antecipação de resultados judiciais. Sistemas como Lex Machina e Premonition utilizam ML para analisar dados históricos de casos e prever decisões com base em padrões identificados. Nos Estados Unidos, o Lex Machina é amplamente utilizado por escritórios de advocacia para avaliar as chances de sucesso em litígios, com base em dados como o perfil do juiz, a jurisprudência local e o histórico das partes envolvidas. Advogados que utilizam essas ferramentas conseguem aumentar em até 20% a precisão de suas estratégias de litígio (HARVARD LAW SCHOOL, 2020).

A pesquisa jurisprudencial e a análise de casos também foram revolucionadas pela IA. Plataformas como ROSS Intelligence e Casetext permitem que advogados realizem pesquisas complexas em milhões de documentos jurídicos em questão de segundos. Essas ferramentas não apenas identificam casos relevantes, como também sugerem conexões entre decisões judiciais que podem não ser óbvias à primeira vista. Um exemplo emblemático é o CARA A.I., desenvolvido pela Casetext, que analisa petições iniciais e sugere jurisprudência relevante com base no conteúdo do documento. Essa funcionalidade reduz o tempo de pesquisa em até 30% (CASETEXT, 2021).

Além disso, a IA é intensamente utilizada para redação de contratos e petições. Ferramentas como LegalSifter e ClauseBase ajudam advogados a redigir documentos jurídicos de alta qualidade, sugerindo linguagem apropriada e identificando possíveis riscos. Essas soluções são particularmente úteis em transações comerciais complexas, onde a precisão e a clareza são essenciais. Escritórios que adotam ferramentas de redação assistida por IA conseguem reduzir em até 50% o tempo gasto na elaboração de contratos (DELOITTE, 2022).

Uma decorrência natural da IA aplicada aos escritórios da advocacia é a silenciosa e eficiente revolução da gestão de processos e fluxos de trabalho. Sistemas como Clio e MyCase utilizam algoritmos de IA para automatizar tarefas administrativas, como agendamento de reuniões, gestão de prazos e acompanhamento de casos, que aumentam a eficiência dos escritórios e melhoram a experiência do cliente, ao fornecer atualizações em tempo real sobre o status dos casos de seu interesse. Com efeito, cerca de 65% dos escritórios que adotaram soluções de gestão baseadas em IA relataram um aumento significativo na satisfação dos clientes (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2021).

4. Estudos de caso: Experiências internacionais

É fundamental recordar alguns exemplos icônicos da aplicação da IA ao ambiente da advocacia norte-americana, como dão notícia os resultados obtidos pela plataforma ROSS Intelligence, que utiliza NLP para auxiliar advogados na pesquisa jurídica. Desenvolvida a partir do sistema IBM Watson, a ROSS permite que os usuários façam perguntas complexas em linguagem natural e recebam respostas baseadas em análises de milhões de documentos jurídicos. Estudos revelaram que escritórios que adotaram a ROSS tiveram uma redução de 30% no tempo com pesquisas jurídicas, além do aumento na precisão das informações obtidas (STANFORD LAW SCHOOL, 2020).

Outro caso de sucesso é o Lex Machina, uma plataforma de análise preditiva que utiliza ML para prever os resultados de litígios com base em dados históricos. A ferramenta é amplamente utilizada por escritórios de advocacia e departamentos jurídicos corporativos norte-americanos para avaliar estratégias de litígio. O Lex Machina conseguiu prever corretamente o resultado de 85% dos casos analisados em 2020, superando as expectativas de muitos especialistas (HARVARD LAW REVIEW, 2021). Além disso, a plataforma tem sido fundamental para identificar padrões de comportamento de juízes e partes envolvidas em litígios, permitindo que os advogados ajustem suas estratégias de forma mais eficaz.

Na Europa, por sua vez, a aplicação da IA no Direito também tem avanços significativos. Um exemplo notável é o sistema LISA, desenvolvido na França, que utiliza IA para auxiliar na redação de contratos e na análise de cláusulas jurídicas. O LISA é capaz de identificar inconsistências e sugerir alterações com base em práticas jurídicas consolidadas. O uso do LISA resultou em uma redução de 40% no tempo com a elaboração de contratos, além da diminuição em 25% dos erros identificados em revisões manuais (UNIVERSIDADE DE PARIS, 2022).

Já na Alemanha, a plataforma BRYTER tem se destacado como uma solução inovadora para a automação de processos jurídicos. A ferramenta permite que advogados criem fluxos de trabalho automatizados para tarefas como a análise de contratos, a gestão de compliance e a elaboração de documentos jurídicos. Cerca de 70% dos escritórios de advocacia que adotaram a BRYTER relataram um aumento na produtividade e uma redução de custos operacionais de até 20% (GERMAN BAR ASSOCIATION, 2023). Demais, a plataforma é amplamente utilizada por empresas para garantir a conformidade com regulamentações complexas, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia.

Outro exemplo europeu: o CaseCrunch, uma startup britânica, desenvolveu um sistema de IA para prever resultados de casos jurídicos. Em 2018, o CaseCrunch realizou um desafio competindo com advogados na previsão de resultados de casos de proteção ao consumidor. O sistema de IA previu corretamente 86,6% dos casos, enquanto os advogados acertaram 66,3% (CASELLATI, 2018). Esse resultado demonstrou o potencial da IA para auxiliar na tomada de decisões jurídicas e provocou reflexões profundas sobre o papel dos advogados na operação da IA, em lugar da realização de atividades usuais.

5. Desafios e riscos da IA na advocacia

Ao lado dos importantes benefícios introduzidos pela IA na advocacia, a sua adoção apresenta desafios e riscos que precisam ser cuidadosamente considerados. Como sinalizado nas primeiras linhas deste trabalho, o viés algorítmico é identificado quando os sistemas de IA reproduzem ou amplificam preconceitos presentes nos dados usados para o seu treinamento. Algoritmos de predição judicial nos Estados Unidos, por exemplo, tendem a ser mais severos com réus de minorias étnicas, refletindo vieses históricos presentes nas decisões judiciais anteriores (MIT TECHNOLOGY REVIEW, 2021). Esse tipo de viés não apenas compromete a justiça do sistema, mas também pode perpetuar desigualdades sociais, levantando questões éticas e legais sobre o uso da IA no Direito.

Outro desafio significativo diz respeito à privacidade e proteção de dados pessoais. Sabe-se que a IA depende de grandes volumes de dados para funcionar eficazmente, o que inclui informações sensíveis de clientes, como registros financeiros, históricos médicos e detalhes de casos jurídicos. A exposição desses dados a sistemas de IA pode aumentar o risco de violações de privacidade, especialmente em países onde a regulamentação da proteção de dados ainda é incipiente.

Na União Europeia, o GDPR estabelece diretrizes rigorosas para o uso de IA, exigindo transparência e consentimento explícito dos usuários. No entanto, apenas 35% das sociedades empresárias na Europa mantêm total conformidade com essas normas, o que representa risco significativo para a privacidade dos clientes (EUROPEAN DATA PROTECTION BOARD, 2022).

Outra questão complexa no contexto da IA na advocacia tem relação com a caracterização da responsabilidade civil. Quando um sistema de IA comete um erro, como a interpretação incorreta de uma cláusula contratual ou a previsão equivocada de um resultado judicial, é difícil determinar quem deve ser responsabilizado: o desenvolvedor do algoritmo, o escritório de advocacia que o utilizou ou o detentor dos direitos de exploração econômica do sistema de IA. Vale rememorar, nesse sentido, o ocorrido nos Estados Unidos em 2021, quando um sistema de IA recomendou determinada estratégia de litígio que resultou em perdas financeiras significativas para o cliente. O caso foi objeto de julgamento pelos tribunais estadunidenses, mas a falta de regulamentação específica para IA dificultou a definição de responsabilidades (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2021).

Acrescente-se, ainda, que a resistência à adoção da IA por parte de profissionais do Direito é um obstáculo cultural que não pode ser ignorado. Muitos advogados veem a IA como uma ameaça ao seu trabalho, temendo que a execução de tarefas jurídicas com agilidade e precisão leve à redução de empregos e do seu protagonismo. Cerca de 60% dos advogados em escritórios de médio porte nos Estados Unidos e na Europa relataram preocupações sobre o impacto da IA em suas carreiras (DELOITTE, 2022). Essa resistência pode retardar a adoção de tecnologias que, em última análise, são capazes de melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços jurídicos.

A falta de transparência em muitos sistemas de IA, conhecida como o problema da “caixa preta”, também representa um relevante desafio. Muitos algoritmos de IA operam de forma tão complexa que até mesmo seus desenvolvedores têm dificuldade para rastrear a formulação de certas decisões tomadas. Isso é particularmente problemático no Direito, onde a transparência e a prestação de contas – ou accountability – são fundamentais. Veja-se que em torno de 70% dos juízes entrevistados nos Estados Unidos pela Stanford Law School expressaram preocupação com a falta de transparência em sistemas de IA usados para auxiliar em decisões judiciais (STANFORD LAW SCHOOL, 2023).

6. Regulamentação e padrões éticos

À vista dessas ponderações e apreensões, conclui-se que a regulamentação e os padrões éticos são fundamentais para garantir que a IA seja utilizada de forma responsável e transparente no campo jurídico. Diversos países e organizações internacionais buscam estabelecer diretrizes que equilibrem a inovação tecnológica com a proteção dos direitos individuais e a integridade do sistema jurídico a nível mundial. Na União Europeia, o GDPR estabelece normas rigorosas para o uso de IA, ao determinar que as empresas garantam transparência, explicabilidade e consentimento explícito dos usuários. Não obstante, 40% das instituições ainda enfrentam desafios para se adequar plenamente aos preceitos definidos (EUROPEAN COMMISSION, 2023).

Nos Estados Unidos, a regulamentação da IA no Direito ainda está em estágios iniciais, mas algumas iniciativas merecem destaque. A ABA – American Bar Association publicou, em 2022, um conjunto de diretrizes éticas para o uso de IA na advocacia, enfatizando a necessidade de supervisão humana, transparência e responsabilidade. Segundo a ABA, “os advogados devem garantir que o uso de IA em suas práticas não comprometa a confidencialidade, a competência ou a independência profissional” (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2022). Estados como a Califórnia também têm adotado leis específicas para regular o uso de algoritmos em decisões judiciais, exigindo que os sistemas de IA sejam auditáveis e livres de vieses discriminatórios.

No Brasil, o CNJ zela pela regulamentação da IA no Poder Judiciário, a se ver da publicação em 2023 da resolução 332, que estabelece diretrizes para o uso de IA em tribunais, incluindo a obrigatoriedade de transparência, auditoria e supervisão humana. A resolução também proíbe o uso de sistemas de IA para decisões judiciais autônomas, reforçando que a tecnologia deve servir como ferramenta de apoio, e não como substituto do julgamento humano. Com base em levantamento do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, aproximadamente 60% dos tribunais brasileiros já utilizam ferramentas de IA para tarefas como análise de processos e priorização de casos, mas apenas 25% estão plenamente aderentes às novas diretrizes do CNJ (IPEA, 2023).

Além das regulamentações nacionais, organizações internacionais se dedicam a estabelecer padrões éticos globais para o uso da IA no Direito. Nesse sentido, a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico publicou, em 2021, os Princípios de IA, que incluem recomendações como a promoção de sistemas de IA confiáveis, a proteção da privacidade e a garantia de transparência. Tais princípios são adotados por diversos países como base para suas políticas nacionais, mas apenas 30% dos países membros da ONU possuem regulamentações específicas para o uso de IA no Direito, o que representa um obstáculo a ser superado para a harmonização global de padrões éticos (UNCTAD, 2023).

Outrossim, é importante destacar que a regulamentação e os padrões éticos devem progredir continuamente para acompanhar os avanços tecnológicos. Com efeito, a Harvard Law Review ressaltou que “a IA no Direito exige um equilíbrio delicado entre inovação e proteção, garantindo que a tecnologia seja usada para promover a justiça, e não para miná-la” (HARVARD LAW REVIEW, 2023). Diante disso, a colaboração entre governos, organizações internacionais e comunidade jurídica será essencial para construir um framework regulatório que maximize os benefícios da IA, enquanto mitiga seus riscos.

7. Futuro da IA na advocacia

As reflexões sobre o futuro da IA na advocacia evoluem para tempos marcados por inovações que amplificam a eficiência e transformam a própria natureza do trabalho jurídico. Uma das tendências mais impactantes consiste no desenvolvimento de sistemas de IA generativa capazes de redigir documentos jurídicos complexos, como contratos e petições, com pouca ou nenhuma intervenção humana. Ferramentas como ChatGPT-4 e JurisGPT já estão sob testes em escritórios de advocacia, com resultados promissores, que apontam uma redução em até 50% do tempo gasto na redação de documentos, mantendo e aperfeiçoando a qualidade do trabalho (STANFORD LAW SCHOOL, 2023).

Outra tendência emergente é a personalização do atendimento jurídico por meio de IA. Plataformas como DoNotPay e LegalZoom utilizam algoritmos de ML para oferecer serviços jurídicos acessíveis e sob medida a clientes individuais. Essas ferramentas permitem que usuários comuns resolvam questões como contestação de multas e elaboração de atos extrajudiciais que dispensem a mediação de advogados. Estima-se que, até 2030, 30% dos serviços jurídicos de baixa complexidade serão realizados por sistemas de IA, democratizando o acesso à justiça e reduzindo custos para os jurisdicionados (MCKINSEY & COMPANY, 2023).

Por óbvio, a formação e capacitação dos advogados será atingida por esse processo de transformação, como já se observa em algumas instituições de ensino jurídico que estão incorporando disciplinas sobre IA e tecnologia em seus currículos, e preparando os futuros profissionais para atuar em um mercado cada vez mais digital. Como evidência dos progressos nesse campo, a Harvard Law School lançou em 2022 o programa de Pós-Graduação em Direito e Tecnologia, que inclui módulos sobre ética da IA, análise de dados e automação de processos jurídicos. A constatação de 70% dos estudantes de Direito nos Estados Unidos sugere que o conhecimento em IA é essencial para suas carreiras (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2023).

Não há dúvidas de que a integração entre humanos e máquinas está redefinindo o papel do advogado. Em vez de substituir profissionais, a IA é uma poderosa ferramenta de ampliação de capacidades, propiciando aos advogados a oportunidade de direcionar o seu intelecto para tarefas de maior valor agregado, como estratégias de litígio, negociação e aconselhamento jurídico. O uso de assistentes virtuais baseados em IA, como a ROSS Intelligence, que auxiliam advogados em pesquisas jurídicas complexas, liberam tempo para atividades mais estratégicas, por meio de abordagem híbrida que pode aumentar em até 40% a produtividade dos escritórios e promover altos índices de satisfação dos clientes (DELOITTE, 2023).

Nessa mesma linha de acontecimentos, o futuro da IA – que já se faz presente na advocacia -será moldado por avanços em tecnologias de blockchain e contratos inteligentes (smart contracts), que permitem a execução automática de cláusulas contratuais com base em condições pré-definidas, reduzindo a necessidade de intervenção humana e minimizando disputas jurídicas. Particularmente, o uso de smart contracts em transações comerciais pode reduzir em até 60% os custos associados à elaboração e execução de contratos tradicionais (EUROPEAN BLOCKCHAIN PARTNERSHIP, 2023).

8. Conclusão

Por todos esses argumentos e considerações, a IA está redefinindo o panorama da advocacia, oferecendo ferramentas prodigiosas para aumentar a eficiência, reduzir custos e democratizar o acesso à justiça. Exploramos, com base em estudos recentes que poderão ser consultados para maior aprofundamento no tema, desde os fundamentos tecnológicos da IA até suas aplicações práticas, desafios e tendências futuras. Nota-se, pois, que a IA não é uma mera ferramenta de automação, mas uma tecnologia transformadora do próprio sistema tradicional de trabalho dos advogados e magistrados. Nos Estados Unidos e na Europa, em especial, exemplos como ROSS Intelligence, Lex Machina e LISA demonstram o potencial da IA para revolucionar a prática jurídica, enquanto no Brasil, iniciativas como a resolução 332 do CNJ estão voltadas a formatar um padrão regulatório que equilibre inovação e proteção.

No entanto, a adoção da IA na advocacia não está isenta a embates e desafios. Questões como vieses algorítmicos, privacidade de dados e responsabilidade civil exigem atenção contínua e regulamentação adequada. Além disso, a resistência cultural e a falta de transparência em sistemas de IA são obstáculos que devem ser superados para que a tecnologia alcance seu pleno potencial.

No horizonte em que se assenta o futuro, a IA promoverá a transformações de impacto na advocacia, lideradas pela IA generativa, personalização do atendimento jurídico e versão híbrida dos serviços jurídicos, o que exigirá novas habilidades e abordagens. Nesse sentido, a formação jurídica deverá ser adaptada ao novo ambiente de negócios, incorporando disciplinas sobre tecnologia e ética da IA que desenvolvam as competências dos profissionais do futuro. Como observado pela American Bar Association, “o advogado do futuro não será substituído pela IA, mas será aquele que souber utilizá-la de forma estratégica e responsável” (AMERICAN BAR ASSOCIATION, 2023). Essa é uma premissa que deve ser levada a sério pelos advogados, porque um processo rápido de adaptação será definitivo no sucesso da IA na advocacia.

Em síntese, a IA representa uma oportunidade sem precedentes para a advocacia, mas seu uso deve ser guiado por princípios éticos e regulamentações robustas. Reiteramos, assim, que a colaboração entre governos, organizações internacionais e comunidade jurídica haverá de pautar as garantias necessárias ao correto e justo manejo da tecnologia, a benefício da sociedade, da justiça, da transparência e da eficiência. Enfim, parafraseando a Stanford Law School, “o futuro da advocacia não será definido pela IA, mas pela forma como os advogados a utilizam para servir melhor seus clientes e a sociedade” (STANFORD LAW SCHOOL, 2023).

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Márcio Aguiar

Márcio Aguiar

Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

 

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/426895/a-ia-na-advocacia-transformacoes-desafios-e-o-futuro-do-direito

Crédito consignado e efeitos da litigância abusiva

Cenário recente é marcado por um significativo aumento da judicialização dessa modalidade de crédito

O crédito consignado tem se consolidado como uma das modalidades de financiamento mais vantajosas para o consumidor brasileiro, especialmente pelas taxas de juros reduzidas e pela segurança proporcionada pelo desconto automático em folha de pagamento. No entanto, o cenário recente é marcado por um significativo aumento da judicialização dessa modalidade de crédito, muitas vezes de forma abusiva, gerando impactos negativos tanto para os consumidores quanto para as instituições financeiras.

O debate do tema ganhou um novo capítulo desde o anúncio, pelo governo federal, de uma nova linha de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada, incluindo empregados rurais, domésticos e microempreendedores individuais (MEI).

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Sob o título de Crédito do Trabalhador, o programa reconhece essa modalidade de crédito como meio de estimular a economia, permitindo que os trabalhadores utilizem até 10% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) como garantia para a contratação do empréstimo. Além disso, é possível utilizar 100% da multa rescisória em caso de demissão sem justa causa, que corresponde a 40% do saldo do FGTS.

O aumento da oferta de crédito consignado será acompanhado do conhecido desafio da litigância abusiva. A judicialização excessiva e muitas vezes predatória tem gerado impactos negativos tanto para as instituições financeiras quanto para os consumidores, com reflexos diretos na precificação do crédito e na sustentabilidade dessa modalidade de financiamento.

Diante disso, é fundamental refletir sobre os impactos econômicos e jurídicos da litigância abusiva no crédito consignado, bem como sobre possíveis medidas para conter práticas que prejudicam tanto os consumidores quanto as instituições financeiras.

Para alinhar a exata compreensão do tema, é importante considerar que o crédito consignado é caracterizado pelo pagamento da dívida diretamente em folha salarial do tomador, o que reduz significativamente o risco de inadimplência e, consequentemente, os custos das operações de crédito (PINHEIRO, 2020). A modalidade é regulamentada pela Lei 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que estabelece regras para a concessão desse tipo de empréstimo a aposentados, pensionistas e trabalhadores do setor privado e público.

Além disso, a Resolução 3.954, de 24 de fevereiro de 2011, do Banco Central, determina os limites para as taxas de juros aplicáveis, garantindo que os tomadores tenham acesso a condições justas de financiamento. Como produto de crédito seguro, o consignado se destaca como alternativa viável para consumidores que precisam equilibrar seu orçamento sem comprometer o próprio sustento com despesas extraordinárias.

Com tudo, o crescimento exponencial de ações judiciais relacionadas ao crédito consignado, pelas vias de práticas fraudulentas, como alegações infundadas de contratação não reconhecida, tentativas de revisão contratual desprovidas de base legal e pedidos de restituição de juros sob fundamentos inverídicos, classificadas como litigância predatória, desviam o ofício jurisdicional para o processamento e julgamento de ações sustentadas pelo único e ilegítimo intuito de se obterem vantagens indevidas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).

Entre os principais desvios de litigância abusiva no crédito consignado, destacam-se:

Fraudes por auto simulação: Casos em que o próprio tomador contrai o empréstimo e, posteriormente, alega o desconhecimento do serviço, buscando a restituição dos valores pagos. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022, cerca de 35% das ações envolvendo crédito consignado apresentavam indícios de fraude por auto simulação (CNJ, 2022).

Revisão das taxas de juros sem fundamento: Demandas que visam à redução dos juros de contratos já firmados, mesmo quando se adequam aos limites estabelecidos pelo Banco Central. Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Bancário (IBDB, 2023) demonstrou que 42% das ações ajuizadas entre 2021 e 2023 tiveram o objetivo da revisão de juros sem qualquer comprovação de abusividade.

Ações idênticas massificadas: Escritórios captadores de litígios movem milhares de ações idênticas, sem individualizar as alegações, sobrecarregando o Judiciário e criando um efeito especulativo sobre as instituições financeiras. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) identificou que, em 2023, cinco escritórios jurídicos concentravam mais de 60% das demandas de revisão de crédito consignado no Estado.

Outro fator que agrava a litigância abusiva no setor de crédito consignado é a atuação de empresas de intermediação que promovem fraudes contra consumidores e instituições financeiras. Algumas dessas empresas abordam aposentados e pensionistas com a falsa promessa de recuperação de valores indevidos ou revisão contratual vantajosa.

No entanto, tais ações são, muitas vezes, baseadas em argumentos inconsistentes e configuram fraudes processuais. Além disso, há registros de casos em que esses atravessadores retêm indevidamente parte dos valores recebidos pelos clientes, gerando prejuízos diretos a consumidores vulneráveis.

O abuso do direito de ação, notadamente no que se refere às revisões das taxas de juros, faz surgir um efeito colateral preocupante: o aumento dos custos operacionais das instituições financeiras. Além das despesas processuais, os bancos são forçados a provisionar recursos para cobrir riscos adicionais, com reflexos diretos na precificação do crédito (TARTUCE, 2022).

Em ultima ratio, a crescente judicialização do crédito consignado pode comprometer a sustentabilidade desse modelo de financiamento. O aumento das ações judiciais induz as instituições financeiras a elevarem as taxas de juros para compensar os riscos, encarecendo o crédito para todos os consumidores. Esse fenômeno se alinha à chamada “economia dos litígios”, onde o excesso de demandas judiciais gera um ambiente de incerteza jurídica que, por sua vez, impacta negativamente o mercado de crédito (SCHREIBER, 2019).

Adicionalmente, o efeito de resfriamento do crédito consignado conduz a uma restrição na concessão desse financiamento, especialmente para consumidores de menor renda. Como resultado, indivíduos que, antes poderiam usufruir das vantagens dessa linha de crédito para enfrentar despesas inesperadas, podem se manter a distância de alternativas de financiamento seguras, sendo obrigados a recorrer a modalidades mais onerosas.

Diante do avanço da litigância abusiva no crédito consignado, é essencial a adoção de medidas que restrinjam os reveses sobre o mercado consumidor e, sobretudo, financeiro. Nesse sentido, sugere-se a implementação de algumas estratégias:

Adoção de filtros processuais mais rigorosos: O Poder Judiciário deve intensificar a aplicação de mecanismos que identifiquem e coíbam demandas fraudulentas. A imposição de multas e a responsabilização por litigância de má-fé, conforme o art. 80 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), devem ser aplicadas de forma mais eficaz.

Atuação sistemática e incisiva dos órgãos reguladores: O Banco Central, a Senacon e o Ministério da Justiça devem estabelecer mecanismos que desestimulem fraudes e revisões contratuais sem fundamento. Campanhas educativas sobre os direitos e deveres dos consumidores no crédito consignado são de grande utilidade.

Desenvolvimento de mecanismos alternativos de resolução de conflitos: A mediação e a conciliação são instrumentos fundamentais para evitar o ajuizamento desnecessário de demandas. A implementação de núcleos especializados nos tribunais pode agilizar a solução de conflitos e reduzir a sobrecarga do sistema judiciário.

Criação de sistema de monitoramento de litigância abusiva: A formação de um cadastro nacional de litigantes reincidentes pode servir como ferramenta para identificação de práticas predatórias. Escritórios de advocacia que ajuízam ações massificadas, sem individualização das alegações, devem ser fiscalizados com rigor.

Aperfeiçoamento dos contratos e dos mecanismos de transparência: Instituições financeiras podem aprimorar a clareza dos contratos de crédito consignado, garantindo que os consumidores compreendam integralmente as condições pactuadas. A adoção de ferramentas tecnológicas que possibilitem a gravação do consentimento do tomador também é um instrumento probatório de combate de alegações infundadas de não contratação.

Nesse contexto, a adoção de tecnologias inovadoras tem se mostrado uma ferramenta eficaz para garantir a segurança jurídica das transações e reduzir o número de ações judiciais infundadas. Atendendo ao apelo do Poder Judiciário, as instituições financeiras têm desenvolvido plataformas para validação das contratações por meio de videochamadas.

Essa inovação, que não se restringe a selfies e provas de vida tradicionalmente utilizadas nas contratações digitais, permite a gravação em tempo real da interação entre o consumidor e o preposto dos bancos. Durante a referida videochamada, são confirmados os dados pessoais do contratante, o produto ofertado, a intenção de contratar e o aceite formal do cliente.

Sabe-se que o Código de Processo Civil, em seus artigos 396 a 484, regulamenta os elementos que contribuem para a formação da convicção do julgador quanto à existência de fatos controvertidos. Nesse sentido, o modelo de gravação audiovisual descrito enquadra-se na categoria de prova digital, plenamente aceita no âmbito processual, definida como o “instrumento jurídico vocacionado a demonstrar a ocorrência ou não de determinado fato e suas circunstâncias, tendo ele ocorrido total ou parcialmente em meios digitais, ou, se fora deles, esses sirvam como instrumento para sua demonstração” (THAMAY; TAMER, 2020).

A adoção dessa tecnologia tem sido amplamente prestigiada por magistrados e desembargadores de diversos Tribunais de Justiça do Brasil, que já se manifestaram favoravelmente ao uso de videochamadas como meio de comprovação da ciência da contratação pelo aderente e do cumprimento do dever de informação por parte dos bancos. Veja-se: essa inovação não apenas reforça a segurança jurídica das transações, mas também contribui para a redução de litígios, vez que serve como prova robusta e irrefutável da manifestação da vontade e do consentimento informado do consumidor.

Além disso, as provas audiovisuais alinham-se aos princípios basilares da boa-fé contratual e da cooperação entre as partes, previstos no ordenamento jurídico. Ao exigir que as partes ajam com transparência e lealdade durante a formação e execução dos contratos, a boa-fé objetiva é atendida com precisão por esse mecanismo de validação do negócio jurídico, que garante ao consumidor o pleno conhecimento das condições contratuais antes de acedê-las.

Outro aspecto relevante é o potencial dessa tecnologia para mitigar o ajuizamento de ações em massa e coibir o enriquecimento ilícito. A gravação audiovisual, ao documentar todo o processo de contratação, dificulta a alegação de desconhecimento, contribuindo para a justiça e a efetiva equidade nas relações consumeristas.

De fato, a incorporação de provas audiovisuais no processo de contratação bancária configura um avanço substancial no enfrentamento das fraudes e na solidificação da segurança jurídica dos contratantes. Ao integrar tecnologia e direito, as instituições financeiras não apenas resguardam seus próprios interesses, mas também reforçam a confiança de seus clientes, elemento essencial para a estabilidade e o funcionamento adequado do sistema financeiro.

A rigor, essa experiência também demonstra como a necessidade de se conceber abordagem multissetorial que envolva o Judiciário, órgãos reguladores, instituições financeiras e a sociedade civil. Apenas com a coordenação de medidas eficazes será possível reduzir os efeitos da litigância predatória e garantir um ambiente jurídico hígido e equilibrado.

Se o crédito consignado representa uma alternativa de financiamento acessível e segura para milhões de brasileiros, o enfrentamento do avanço da litigância abusiva deve ser entendido como uma política de interesse social, para mitigar os riscos à sustentabilidade desse modelo e conter os custos excessivos para a sociedade, para que não se assista uma grave redução do acesso ao crédito.

Decerto, são dignas de nota algumas respostas já adotadas como contraofensiva à judicialização do crédito consignado: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem investigado fraudes no setor e incentivado soluções extrajudiciais como forma de inibir a litigância predatória. Outrossim, conciliação prévia e a mediação têm sido fomentadas pela sua eficácia para evitar o aumento excessivo de demandas no Judiciário (VALOR, 2024).

Com razão, os Tribunais brasileiros começam a adotar iniciativas para coibir abusos, como a aplicação de penalidades mais rigorosas para litigantes contumazes. Essas ações podem contribuir para reduzir o impacto econômico da litigância predatória e preservar a estabilidade do crédito consignado.

No combate à litigância abusiva, não é possível abdicar da obrigatoriedade da tentativa de resolução extrajudicial antes do ajuizamento das ações. Representa prática louvável do Judiciário nessa direção a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), de outubro de 2024, no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 1.0000.22.157099-7/001, ao considerar obrigatória a tentativa de resolução extrajudicial antes de se iniciar a ação judicial. Trata-se de avanço significativo para a redução da judicialização desnecessária.

Convém rememorar que a tentativa de resolução extrajudicial pode ser comprovada pelo registro do acesso a canais oficiais, aos Serviços de Atendimento ao Cliente, aos Programas de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), ao Banco Central ou a plataformas digitais como o Consumidor.Gov e Reclame Aqui.

A tentativa prévia pode ser dispensada apenas em situações de risco iminente de perecimento do direito ou urgência. Diante de tantos meios de composição do litígio, a ausência de prova da tentativa prévia de solução conduz prontamente ao indeferimento da petição inicial e à imediata extinção do processo sem julgamento de mérito.

De igual forma, não se deve olvidar de que há escritórios especializados no combate à litigância predatória, que desempenham papel fundamental no equilíbrio do sistema jurídico, contribuindo para a redução da judicialização excessiva e efetiva proteção dos consumidores contra fraudes.

Por meio de ações estratégicas, como a análise criteriosa de processos, a atuação na formação de sólida jurisprudência contra litigantes abusivos e a conscientização dos magistrados sobre as consequências desairosas decorrentes dessas práticas, tais escritórios contribuem decisivamente para o fortalecimento da previsibilidade e da segurança jurídica no setor de crédito.

O acompanhamento processual estratégico, a formulação de teses defensivas inovadoras e o uso de tecnologia para mapear padrões de litigância predatória também são atividades de destaque nesses escritórios, que constituem células de advogados com expertise na investigação, identificação e persecução de fraudes processuais.

Enfim, somente a articulação entre diversos agentes em busca da repressão da judicialização predatória será capaz de preservar os benefícios do crédito consignado, como solução eficaz para a estabilidade financeira dos consumidores, e de resgatar a função do advogado como profissional “indispensável à administração da justiça”, na sábia dicção do art. 133 da Constituição Cidadã.

 

Márcio Aguiar

27/03/2025|05:20

 

Fonte: https://www.jota.info/artigos/credito-consignado-e-efeitos-da-litigancia-abusiva

TRT-MG valida prova digital para horas extras

Produção de prova de geolocalização por banco é válida, diz TRT-3

 

Por maioria de votos, os julgadores da 10ª Turma do Tribuna Regional de Trabalho da 3ª Região (MG) acolheram pedido de nulidade feita por uma instituição bancária, que argumentou que seu direito de defesa foi cerceado por não ter sido autorizada a produzir prova a partir da geolocalização da trabalhadora que a processa.

Banco conseguiu no TRT-3 o direito de produzir prova de geolocalização

Para provar que a ex-empregada não havia prestado horas extras, como alegou, o banco pediu ao juízo da Vara do Trabalho de Bom Despacho (MG) que fossem expedidos ofícios a empresas e operadoras de telefonia, com o objetivo de produzir prova sobre jornada de trabalho.

Entretanto, o juiz de primeiro grau rejeitou a pretensão, por entender que caberia à empresa produzir prova da jornada de trabalho. O juiz classificou o pedido como “medida extrema” e considerou que violaria garantias fundamentais, como a intimidade e a privacidade da autora.

Além disso, o julgador avaliou que a localização de dispositivo com GPS em local diverso, por si só, não comprovaria que a autora não estivesse presente na agência bancária. Isso porque ela poderia ter cedido ou emprestado o cartão ou seu aparelho tecnológico a pessoa de sua confiança.

Provas não são excludentes

Em grau de recurso, o desembargador Ricardo Marcelo Silva, atuando como relator, discordou dessa compreensão manifestada na sentença. Conforme pontuou o relator, no âmbito da Justiça do Trabalho, a verdade sempre foi edificada ou reconstruída com fulcro na prova testemunhal, ou seja, baseada na palavra humana, que, sabidamente, é passível de falhas, ocasionando não raro julgamento infiel ou injusto. No seu modo de entender, a produção de prova requerida é plenamente válida.

“A tecnologia, atualmente, permite saber a geolocalização das pessoas em tempo real, sendo a prova digital de fundamental importância em casos como o presente, em que se discute se houve ou não a prestação de horas extras pela reclamante”, destacou no voto.

Em sua decisão, o relator explicitou que “a utilização da prova digital visa, sobretudo, dar efetividade ao princípio filosófico do terceiro excluído, em que, para qualquer proposição, há duas possibilidades: ou ela é verdadeira ou a sua negação é verdadeira. Logo, se há duas proposições contraditórias, uma delas é verdadeira e a outra é falsa”.

Segundo o relator, a prova digital visa a determinar se são ou não verdadeiras as alegações das partes no que tange ao trabalho extraordinário. “Por meio da prova digital, é levado a efeito a ‘prova dos 9’, excluindo qualquer possibilidade de dúvida sobre a matéria controvertida”, acrescentou. Ele citou julgado do TST (processo 0024985-31.2022.5.04.0000) que corrobora essa visão:

“(…) A produção da prova testemunhal, documental e digital não são excludentes, daí ser frágil a ponderação de que a prova digital deve ser produzida supletivamente, até porque, conforme destacam Marinoni e Arenhart: ‘o processo não busca somente atender ao interesse das partes, há um interesse público na correta solução do litígio.’”

Para o relator, já que é lícito o contrato de trabalho firmado pelas partes e, como a empregada afirmou que estava prestando serviços em prol do banco nos horários indicados na petição inicial, a produção de prova digital deve ser permitida ao réu. Conforme pontuado, a geolocalização da trabalhadora nos horários apontados indicará se havia ou não a prestação de horas extras.

O julgador ressaltou, porém, que a prova deve ser produzida exclusivamente no período em que a autora alegou estar à disposição do banco, a fim de não violar o direito à intimidade da parte, com a colocação de segredo de justiça em relação à geolocalização.

Com esses fundamentos, foi acolhida a pretensão de produção de prova digital dentro dos limites destacados, determinando-se o retorno do processo ao juízo de origem, para as providências necessárias à realização da prova requerida pela defesa, proferindo-se nova sentença, como se entender de direito. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-3.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0010340-61.2022.5.03.0183

 

Fonte: ConJur – https://www.conjur.com.br/2025-mar-20/producao-de-prova-de-geolocalizacao-por-banco-e-valida-diz-trt-3/

O crédito consignado e os efeitos da litigância abusiva

O crédito consignado tem se consolidado como uma das modalidades de financiamento mais vantajosas para o consumidor brasileiro, especialmente pelas taxas de juros reduzidas e pela segurança proporcionada pelo desconto automático em folha de pagamento. No entanto, o cenário recente é marcado por um significativo aumento da judicialização dessa modalidade de crédito, muitas vezes de forma abusiva, gerando impactos negativos tanto para os consumidores quanto para as instituições financeiras.

O debate do tema ganhou um novo capítulo desde o anúncio, pelo governo Federal, de uma nova linha de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada, incluindo empregados rurais, domésticos e MEI – microempreendedores individuais. Sob o título de “Crédito do Trabalhador”, o programa reconhece essa modalidade de crédito como meio de estimular a economia, permitindo que os trabalhadores utilizem até 10% do saldo do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço como garantia para a contratação do empréstimo. Além disso, é possível utilizar 100% da multa rescisória em caso de demissão sem justa causa, que corresponde a 40% do saldo do FGTS.

O aumento da oferta de crédito consignado será acompanhado do conhecido desafio da litigância abusiva. A judicialização excessiva e muitas vezes predatória tem gerado impactos negativos tanto para as instituições financeiras quanto para os consumidores, com reflexos diretos na precificação do crédito e na sustentabilidade dessa modalidade de financiamento. Diante disso, é fundamental refletir sobre os impactos econômicos e jurídicos da litigância abusiva no crédito consignado, bem como sobre possíveis medidas para conter práticas que prejudicam tanto os consumidores quanto as instituições financeiras.

Para alinhar a exata compreensão do tema, é importante considerar que o crédito consignado é caracterizado pelo pagamento da dívida diretamente em folha salarial do tomador, o que reduz significativamente o risco de inadimplência e, consequentemente, os custos das operações de crédito (PINHEIRO, 2020). A modalidade é regulamentada pela lei 10.820, de 17/12/03, que estabelece regras para a concessão desse tipo de empréstimo a aposentados, pensionistas e trabalhadores do setor privado e público.

Além disso, a resolução 3.954, de 24/2/11, do Banco Central do Brasil, determina os limites para as taxas de juros aplicáveis, garantindo que os tomadores tenham acesso a condições justas de financiamento. Como produto de crédito seguro, o consignado se destaca como alternativa viável para consumidores que precisam equilibrar seu orçamento sem comprometer o próprio sustento com despesas extraordinárias.

Com tudo, o crescimento exponencial de ações judiciais relacionadas ao crédito consignado, pelas vias de práticas fraudulentas, como alegações infundadas de contratação não reconhecida, tentativas de revisão contratual desprovidas de base legal e pedidos de restituição de juros sob fundamentos inverídicos, classificadas como litigância predatória, desviam o ofício jurisdicional para o processamento e julgamento de ações sustentadas pelo único e ilegítimo intuito de se obterem vantagens indevidas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).

Entre os principais desvios de litigância abusiva no crédito consignado, destacam-se:

  • Fraudes por auto simulação: Casos em que o próprio tomador contrai o empréstimo e, posteriormente, alega o desconhecimento do serviço, buscando a restituição dos valores pagos. Segundo dados do CNJ, em 2022, cerca de 35% das ações envolvendo crédito consignado apresentavam indícios de fraude por auto simulação (CNJ, 2022).
  • Revisão das taxas de juros sem fundamento: Demandas que visam à redução dos juros de contratos já firmados, mesmo quando se adequam aos limites estabelecidos pelo Banco Central. Estudo realizado pelo IBDB – Instituto Brasileiro de Direito Bancário (2023) demonstrou que 42% das ações ajuizadas entre 2021 e 2023 tiveram o objetivo da revisão de juros sem qualquer comprovação de abusividade.
  • Ações idênticas massificadas: Escritórios captadores de litígios movem milhares de ações idênticas, sem individualizar as alegações, sobrecarregando o Judiciário e criando um efeito especulativo sobre as instituições financeiras. O TJ/SP identificou que, em 2023, cinco escritórios jurídicos concentravam mais de 60% das demandas de revisão de crédito consignado no Estado (TJ/SP, 2023).

Outro fator que agrava a litigância abusiva no setor de crédito consignado é a atuação de empresas de intermediação que promovem fraudes contra consumidores e instituições financeiras. Algumas dessas empresas abordam aposentados e pensionistas com a falsa promessa de recuperação de valores indevidos ou revisão contratual vantajosa. No entanto, tais ações são, muitas vezes, baseadas em argumentos inconsistentes e configuram fraudes processuais. Além disso, há registros de casos em que esses atravessadores retêm indevidamente parte dos valores recebidos pelos clientes, gerando prejuízos diretos a consumidores vulneráveis.

O abuso do direito de ação, notadamente no que se refere às revisões das taxas de juros, faz surgir um efeito colateral preocupante: o aumento dos custos operacionais das instituições financeiras. Além das despesas processuais, os bancos são forçados a provisionar recursos para cobrir riscos adicionais, com reflexos diretos na precificação do crédito (TARTUCE, 2022).

Em última análise, a crescente judicialização do crédito consignado pode comprometer a sustentabilidade desse modelo de financiamento. O aumento das ações judiciais induz as instituições financeiras a elevarem as taxas de juros para compensar os riscos, encarecendo o crédito para todos os consumidores. Esse fenômeno se alinha à chamada “economia dos litígios”, onde o excesso de demandas judiciais gera um ambiente de incerteza jurídica que, por sua vez, impacta negativamente o mercado de crédito (SCHREIBER, 2019).

Adicionalmente, o efeito de resfriamento do crédito consignado conduz a uma restrição na concessão desse financiamento, especialmente para consumidores de menor renda. Como resultado, indivíduos que, antes poderiam usufruir das vantagens dessa linha de crédito para enfrentar despesas inesperadas, podem se manter a distância de alternativas de financiamento seguras, sendo obrigados a recorrer a modalidades mais onerosas.

Diante do avanço da litigância abusiva no crédito consignado, é essencial a adoção de medidas que restrinjam os reveses sobre o mercado consumidor e, sobretudo, financeiro. Nesse sentido, sugere-se a implementação de algumas estratégias:

  • Adoção de filtros processuais mais rigorosos: O Poder Judiciário deve intensificar a aplicação de mecanismos que identifiquem e coíbam demandas fraudulentas. A imposição de multas e a responsabilização por litigância de má-fé, conforme o art. 80 do CPC (BRASIL, 2015), devem ser aplicadas de forma mais eficaz.

 

  • Atuação sistemática e incisiva dos órgãos reguladores: O Banco Central, a SENACON e o Ministério da Justiça devem estabelecer mecanismos que desestimulem fraudes e revisões contratuais sem fundamento. Campanhas educativas sobre os direitos e deveres dos consumidores no crédito consignado são de grande utilidade.

 

  • Desenvolvimento de mecanismos alternativos de resolução de conflitos: A mediação e a conciliação são instrumentos fundamentais para evitar o ajuizamento desnecessário de demandas. A implementação de núcleos especializados nos Tribunais pode agilizar a solução de conflitos e reduzir a sobrecarga do sistema Judiciário.

 

  • Criação de sistema de monitoramento de litigância abusiva: A formação de um cadastro nacional de litigantes reincidentes pode servir como ferramenta para identificação de práticas predatórias. Escritórios de advocacia que ajuízam ações massificadas, sem individualização das alegações, devem ser fiscalizados com rigor.

 

  • Aperfeiçoamento dos contratos e dos mecanismos de transparência: Instituições financeiras podem aprimorar a clareza dos contratos de crédito consignado, garantindo que os consumidores compreendam integralmente as condições pactuadas. A adoção de ferramentas tecnológicas que possibilitem a gravação do consentimento do tomador também é um instrumento probatório de combate de alegações infundadas de não contratação.

 

Nesse contexto, a adoção de tecnologias inovadoras tem se mostrado uma ferramenta eficaz para garantir a segurança jurídica das transações e reduzir o número de ações judiciais infundadas. Atendendo ao apelo do Poder Judiciário, as instituições financeiras têm desenvolvido plataformas para validação das contratações por meio de videochamadas. Essa inovação, que não se restringe a selfies e provas de vida tradicionalmente utilizadas nas contratações digitais, permite a gravação em tempo real da interação entre o consumidor e o preposto dos bancos. Durante a referida videochamada, são confirmados os dados pessoais do contratante, o produto ofertado, a intenção de contratar e o aceite formal do cliente.

Sabe-se que o CPC, em seus arts. 396 a 484, regulamenta os elementos que contribuem para a formação da convicção do julgador quanto à existência de fatos controvertidos. Nesse sentido, o modelo de gravação audiovisual descrito enquadra-se na categoria de prova digital, plenamente aceita no âmbito processual, definida como o “instrumento jurídico vocacionado a demonstrar a ocorrência ou não de determinado fato e suas circunstâncias, tendo ele ocorrido total ou parcialmente em meios digitais, ou, se fora deles, esses sirvam como instrumento para sua demonstração” (THAMAY; TAMER, 2020).

A adoção dessa tecnologia tem sido amplamente prestigiada por magistrados e desembargadores de diversos Tribunais de Justiça do Brasil, que já se manifestaram favoravelmente ao uso de videochamadas como meio de comprovação da ciência da contratação pelo aderente e do cumprimento do dever de informação por parte dos bancos. Veja-se: essa inovação não apenas reforça a segurança jurídica das transações, mas também contribui para a redução de litígios, vez que serve como prova robusta e irrefutável da manifestação da vontade e do consentimento informado do consumidor.

Além disso, as provas audiovisuais alinham-se aos princípios basilares da boa-fé contratual e da cooperação entre as partes, previstos no ordenamento jurídico. Ao exigir que as partes ajam com transparência e lealdade durante a formação e execução dos contratos, a boa-fé objetiva é atendida com precisão por esse mecanismo de validação do negócio jurídico, que garante ao consumidor o pleno conhecimento das condições contratuais antes de acedê-las.

Outro aspecto relevante é o potencial dessa tecnologia para mitigar o ajuizamento de ações em massa e coibir o enriquecimento ilícito. A gravação audiovisual, ao documentar todo o processo de contratação, dificulta a alegação de desconhecimento, contribuindo para a justiça e a efetiva equidade nas relações consumeristas.

De fato, a incorporação de provas audiovisuais no processo de contratação bancária configura um avanço substancial no enfrentamento das fraudes e na solidificação da segurança jurídica dos contratantes. Ao integrar tecnologia e Direito, as instituições financeiras não apenas resguardam seus próprios interesses, mas também reforçam a confiança de seus clientes, elemento essencial para a estabilidade e o funcionamento adequado do sistema financeiro.

A rigor, essa experiência também demonstra como a necessidade de se conceber abordagem multissetorial que envolva o Poder Judiciário, órgãos reguladores, instituições financeiras e a sociedade civil. Apenas com a coordenação de medidas eficazes será possível reduzir os efeitos da litigância predatória e garantir um ambiente jurídico hígido e equilibrado.

Se o crédito consignado representa uma alternativa de financiamento acessível e segura para milhões de brasileiros, o enfrentamento do avanço da litigância abusiva deve ser entendido como uma política de interesse social, para mitigar os riscos à sustentabilidade desse modelo e conter os custos excessivos para a sociedade, para que não se assista uma grave redução do acesso ao crédito.

Decerto, são dignas de nota algumas respostas já adotadas como contraofensiva à judicialização do crédito consignado: o CNJ tem investigado fraudes no setor e incentivado soluções extrajudiciais como forma de inibir a litigância predatória. Outrossim, conciliação prévia e a mediação têm sido fomentadas pela sua eficácia para evitar o aumento excessivo de demandas no Judiciário (VALOR, 2024).

Com razão, os Tribunais brasileiros começam a adotar iniciativas para coibir abusos, como a aplicação de penalidades mais rigorosas para litigantes contumazes. Essas ações podem contribuir para reduzir o impacto econômico da litigância predatória e preservar a estabilidade do crédito consignado.

No combate à litigância abusiva, não é possível abdicar da obrigatoriedade da tentativa de resolução extrajudicial antes do ajuizamento das ações. Representa prática louvável do Judiciário nessa direção a decisão do TJ/MG, de outubro de 2024, no âmbito do IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 1.0000.22.157099-7/001, ao considerar obrigatória a tentativa de resolução extrajudicial antes de se iniciar a ação judicial. Trata-se de avanço significativo para a redução da judicialização desnecessária.

Convém rememorar que a tentativa de resolução extrajudicial pode ser comprovada pelo registro do acesso a canais oficiais, aos SAC – Serviços de Atendimento ao Cliente, aos Procon – Programas de Proteção e Defesa do Consumidor, ao Banco Central ou a plataformas digitais como o Consumidor.Gov e Reclame Aqui. A tentativa prévia pode ser dispensada apenas em situações de risco iminente de perecimento do direito ou urgência. Diante de tantos meios de composição do litígio, a ausência de prova da tentativa prévia de solução conduz prontamente ao indeferimento da petição inicial e à imediata extinção do processo sem julgamento de mérito.

De igual forma, não se deve olvidar de que há escritórios especializados no combate à litigância predatória, que desempenham papel fundamental no equilíbrio do sistema jurídico, contribuindo para a redução da judicialização excessiva e efetiva proteção dos consumidores contra fraudes. Por meio de ações estratégicas, como a análise criteriosa de processos, a atuação na formação de sólida jurisprudência contra litigantes abusivos e a conscientização dos magistrados sobre as consequências desairosas decorrentes dessas práticas, tais escritórios contribuem decisivamente para o fortalecimento da previsibilidade e da segurança jurídica no setor de crédito.

O acompanhamento processual estratégico, a formulação de teses defensivas inovadoras e o uso de tecnologia para mapear padrões de litigância predatória também são atividades de destaque nesses escritórios, que constituem células de advogados com expertise na investigação, identificação e persecução de fraudes processuais.

Enfim, somente a articulação entre diversos agentes em busca da repressão da judicialização predatória será capaz de preservar os benefícios do crédito consignado, como solução eficaz para a estabilidade financeira dos consumidores, e de resgatar a função do advogado como profissional “indispensável à administração da justiça”, na sábia dicção do art. 133 da Constituição Cidadã.

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ANGELO, Tiago; VITAL, Danilo. Em São Paulo, litigância predatória responde por 337 mil processos por ano. Consultor Jurídico, 9 out. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-09/sp-litigancia-predatoria-responsavel-337-mil-processos-ano/. Acesso em: 10 mar. 2025.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução n. 3.954, de 24 de fevereiro de 2011. Dispõe sobre os limites das taxas de juros aplicáveis ao crédito consignado. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2025.

BRASIL. Lei n. 10.820, de 17 de dezembro de 2003. Dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.820.htm. Acesso em: 10 mar. 2025.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Relatório Justiça em Números 2022. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/08/justica-em-numeros- 2022.pdf. Acesso em: 10 mar. 2025.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO BANCÁRIO (IBDB). Estudo sobre litigância predatória no setor de crédito consignado (2021-2023). São Paulo: IBDB, 2023.

INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS). Confira a evolução de descontos de empréstimos consignados. INSS, s.d. Disponível em: https://www.gov.br/inss/pt- br/noticias/confira-a-evolucao-de-descontos-de-emprestimos-consignados. Acesso em: 10 mar. 2025.

JUSBRASIL. CNJ vai investigar fraude no consignado. JusBrasil, s.d. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/cnj-vai-investigar-fraude-no-consignado/100533927. Acesso em: 10 mar. 2025.

NUNES, Caroline. Justiça recebeu mais de 1.700 ações diárias sobre empréstimos consignados no primeiro semestre. Extra, Rio de Janeiro, 7 set. 2024. Disponível em: https://extra.globo.com/ economia/noticia/2024/09/justica-recebeu-mais-de-1700-acoes-diarias-sobre-emprestimos-consignados-no-primeiro-semestre.ghtml. Acesso em: 10 mar. 2025.

PINHEIRO, Armando. Crédito consignado: evolução, regulamentação e impacto no mercado financeiro. Revista de Direito Bancário, v. 25, n. 2, p. 67-89, 2020.

SCHREIBER, Anderson. Direito civil e a economia dos litígios. Revista de Direito Privado, v. 100, p. 11-38, 2019.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral e obrigações. 15. ed. São Paulo: Método, 2022.

THAMAY, Rennan; TAMER, Melina. Prova Digital no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO (TJSP). Relatório de Gestão 2023. São Paulo: TJSP, 2023. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Comunicacao/Publicacoes/Relatorios Gestao/RelatorioGestao_2023.pdf. Acesso em: 10 mar. 2025.

 

Márcio Aguiar  Márcio Aguiar – Sócio Fundador da Corbo, Aguiar & Waise Advogados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-Diretor Jurídico da Câmara de Comércio Luso Brasileira. Co-Autor da Enciclopédia de Direito do Desporto.

Fonte: Migalhas – https://www.migalhas.com.br/depeso/426492/o-credito-consignado-e-os-efeitos-da-litigancia-abusiva

Judicialização na saúde suplementar: causas, impactos e caminhos para racionalização

A judicialização da saúde suplementar decorre de equação complexa que envolve diversos fatores. A expansão do acesso à justiça desempenha um papel crucial. A facilidade de ajuizamentos, aliada à atuação de escritórios com viés predatório em ações de massa contribui para a ampliação do contencioso.

Também, em outro cenário, o crescente avanço da medicina e o desenvolvimento de novas tecnologias médicas criam expectativas sobre tratamentos inovadores, muitas vezes de alto custo, que não se encontram disponíveis no rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

Conforme um estudo de 2022, questões contratuais, negativas de procedimentos e fornecimento de órteses e próteses estão entre as principais causas da judicialização na saúde suplementar. Os contratos anteriores à Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, embora representem apenas 3% da carteira de beneficiários, correspondem a 37,4% das ações judiciais, evidenciando a necessidade de regulação mais eficiente do setor.[1]

A atuação dos juízes frente a essas questões também merece análise. O Judiciário, ao se deparar com demandas que envolvem a saúde, enfrenta um dilema entre garantir o direito à vida e à dignidade dos pacientes e, ao mesmo tempo, preservar o equilíbrio econômico das operadoras.

A tendência é decidir em favor do consumidor, ignorando aspectos de viabilidade financeira e o impacto sistêmico das decisões. Medicamentos de alto custo, como os que atingem cifras de R$ 17 milhões por paciente, exemplificam situações de comprometimento da estabilidade econômica das empresas do setor.[2]

Outro aspecto relevante é a ocorrência de fraudes no setor. A CPI das Próteses, por exemplo, revelou esquemas fraudulentos envolvendo a prescrição de próteses e órteses sem necessidade real, apenas para beneficiar grupos específicos da cadeia de fornecimento.[3] A indústria farmacêutica também influi na situação quando incentiva premiações e benefícios a agentes de saúde para que prescrevam certos medicamentos e equipamentos, o que cria um ciclo vicioso de litígios, prejudicando operadoras e consumidores.

Diante desse cenário desafiador, a busca por soluções estruturais é imprescindível. Iniciativas já implementadas no setor público podem servir de modelo para a saúde suplementar. O Fórum Nacional de Saúde e os comitês estaduais de saúde têm se mostrado eficazes na criação de espaços de discussão e mediação entre os diversos atores envolvidos, permitindo que demandas sejam resolvidas antes de alcançar o Judiciário.

A utilização da medicina baseada em evidências também surge como uma estratégia fundamental para qualificar as decisões judiciais. A implementação de um Portal da Transparência para registrar benefícios recebidos por profissionais de saúde, bem como a análise técnica da pertinência de tratamentos, pode auxiliar na redução de litígios.

O fortalecimento de mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos, como a mediação e a conciliação, representa uma alternativa para evitar o acirramento da litigiosidade. A atuação das agências reguladoras deve ser revisitada, de modo a torná-las instâncias proativas na redução do contencioso.

A atuação de escritórios especializados em suporte jurídico estratégico para operadoras de saúde suplementar é um diferencial digno de registro. Escritórios qualificados desempenham papel fundamental na garantia da conformidade regulatória, na segurança contratual e na oferta de previsibilidade econômica para as operadoras.

A recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no âmbito do IRDR relativo ao Tema 91, estabeleceu que o interesse de agir nas demandas consumeristas de natureza prestacional depende da comprovação de tentativa prévia de solução extrajudicial da controvérsia. Esse entendimento reforça a necessidade de atuação preventiva dos escritórios de advocacia, auxiliando as operadoras na criação de mecanismos eficazes de atendimento ao consumidor, visando reduzir o passivo judicial.

A implementação de estratégias jurídicas baseadas no IRDR possibilita às operadoras maior segurança no tratamento de ações e na definição de critérios para a negativa de procedimentos que não estejam conforme as diretrizes da ANS, com reflexos no menor risco de condenações e na maior previsibilidade da gestão financeira.

Acrescente-se que o suporte jurídico especializado permite às operadoras adequar seus contratos e regulamentos internos às constantes mudanças legislativas e jurisprudenciais, garantindo que seus modelos de negócio estejam alinhados às melhores práticas do setor.

A parceria entre operadoras e escritórios com atuação dedicada ao setor contribui para um modelo de atuação que harmoniza os interesses dos consumidores e dos agentes econômicos, promovendo o equilíbrio financeiro e a mitigação da litigiosidade. Com essa abordagem, é possível edificar um ambiente mais seguro e eficiente para a saúde suplementar no Brasil.

A judicialização da saúde suplementar, portanto, é um desafio complexo que exige soluções sistêmicas. A sustentabilidade do setor depende da implementação de políticas públicas que promovam o equilíbrio entre os direitos dos consumidores e a viabilidade econômica das operadoras.

A crescente judicialização da saúde suplementar no Brasil gera impactos significativos para o sistema de justiça e para a economia do país, fragilizando as premissas de equidade e eficiência na distribuição dos serviços de saúde.

É cediço que a ANS desempenha um papel fundamental na regulação do setor e na prevenção de litígios. No entanto, é necessário aprimorar os mecanismos de regulação para proporcionar maior segurança jurídica e previsibilidade para beneficiários e operadoras. Uma das principais questões que impulsionam a judicialização é a interpretação do rol de procedimentos da ANS, que define os serviços mínimos obrigatoriamente cobertos pelos planos de saúde.

É essencial que a ANS estabeleça critérios mais objetivos e transparentes na inclusão e revisão de procedimentos no rol de cobertura. Além disso, a criação de mecanismos de revisão periódica e dinâmica, com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil, pode evitar interpretações divergentes e reduzir a necessidade de ações judiciais.

A criação de câmaras técnicas de mediação, compostas por profissionais especializados em saúde e Direito, pode oferecer soluções mais rápidas e eficientes para os beneficiários. Essas câmaras poderiam atuar em parceria com órgãos de defesa do consumidor e com as instâncias estaduais do Ministério Público, garantindo um atendimento mais ágil e acessível.

A aplicação da tecnologia à gestão das demandas judiciais, desde a automação de processos à utilização de inteligência artificial, também rende importante auxílio à prevenção e contenção de conflitos no setor. Ferramentas de análise preditiva são capazes de identificar padrões de reclamações e antecipar soluções para problemas recorrentes.

Outra contribuição qualificada ao monitoramento dos índices de judicialização e à resolução das demandas está relacionada à criação de plataforma digital integrada, que conecte operadoras, beneficiários, ANS e Judiciário. A plataforma prezaria pela transparência e pela aferição da conformidade dos benefícios pleiteados, antes da sua submissão ao Judiciário, como instrumento equivalente a uma segunda opinião médica automatizada.

Um dos desafios da saúde suplementar é a falta de informação dos beneficiários sobre seus direitos e deveres. Muitas ações judiciais podem ser evitadas com a adoção de critérios que promovam maior clareza sobre as regras de cobertura, reajustes e condições contratuais. Campanhas educativas promovidas pela ANS, associações de consumidores e pelo próprio setor podem contribuir, efetivamente, para a redução da litigiosidade.

Também a capacitação dos magistrados sobre questões técnicas relacionadas à saúde suplementar é fundamental para que as decisões judiciais sejam adotadas de forma coerente com a realidade da saúde no Brasil.

Note-se que a judicialização observada em números crescentes é uma prática comum entre cidadãos com melhor condição econômica,[4] o que desafia a lógica da universalização do acesso ao Judiciário que, a rigor, encontra-se ocupado por ações deflagradas por parcela reduzida da população.

Para que a saúde suplementar seja viável a longo prazo, urge uma revisão profunda das causas que atormentam o setor, a partir de uma visão sistêmica e do reforço do elo entre os segmentos público e privado. Atualmente, não há evidências de uma integração formal e abrangente entre as plataformas de telessaúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e as operadoras de planos de saúde no Brasil.

Embora o SUS apresente iniciativas próprias, como o Programa Telessaúde Brasil Redes, que visa apoiar as equipes de atenção básica por meio de teleconsultorias e educação permanente,[5] a sustentabilidade dessas ações é prejudicada pela ausência de mecanismos válidos de integração com o setor privado.

Durante a pandemia de Covid-19, foi possível assistir a tímida aceleração na transformação digital da saúde.[6] Entretanto, persiste a carência de uma integração entre as plataformas de telessaúde do SUS e as das operadoras privadas, que poderia otimizar recursos e evitar a sobrecarga do sistema público.

Conclui-se que a resposta à judicialização da saúde suplementar exige soluções articuladas e inovadoras. O fortalecimento da regulação na definição bem delineada dos direitos e deveres dos beneficiários, a ampliação dos mecanismos extrajudiciais na resolução de litígios na área de saúde, o uso da tecnologia em prol da transparência e da verificação da consistência das reclamações são algumas medidas para reduzir a litigiosidade, mas essenciais para garantir um sistema de saúde mais eficiente e sustentável.

A construção de um novo pacto social entre beneficiários, operadoras, Poder Judiciário e órgão regulador é a única equação apta a equilibrar direitos individuais e coletivos, assegurando que a saúde suplementar atenda com qualidade e acessibilidade a milhões de brasileiros.


[1] SILVA, Andréa Ferreira da; MOTA, Eduardo Luiz da Costa; ARAÚJO, Francisco de Assis; MACHADO, José dos Reis; LIMA, Luciana de Oliveira; LIMA, Ricardo Alexandre de Mendonça. A judicialização na saúde suplementar: uma avaliação das ações judiciais contra uma operadora de planos de saúde, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2010-2017. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 46, n. 134, p. 566-579, jul./set. 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/ 79PXPwMTb8XnzD3396jvJqk/?lang=pt. Acesso em: 19 fev. 2025.

[2] O medicamento Hemgenix, utilizado no tratamento da hemofilia B, tem custo aproximado de US$ 3,5 milhões, equivalente a cerca de R$ 17,7 milhões (disponível em: https://ndmais.com.br/saude/ate-r-177-milhoes-veja-lista-dos-remedios-mais-caros-do-mundo. Acesso em: 19 fev. 2025). Além disso, o Elevidys, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar a distrofia muscular de Duchenne, pode custar até R$ 20 milhões no Brasil (disponível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/01/29/remedio-mais-caro-do-brasil-custa-ate-r-20-milhoes-e-nao-tem-previsao-para-chegar-ao-sus.ghtml. Acesso em: 19 fev. 2025). Esses valores ilustram os desafios enfrentados pelo sistema de saúde suplementar diante de tratamentos de alto custo.

[3] Conforme relatório final de julho de 2015 do deputado federal André Fufuca (PEN-MA), emitido no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investigou a Máfia das Órteses e Próteses (disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1579578. Acesso em: 19 fev. 2025).

[4] SILVA, Andréa Ferreira da; MOTA, Eduardo Luiz da Costa; ARAÚJO, Francisco de Assis; MACHADO, José dos Reis; LIMA, Luciana de Oliveira; LIMA, Ricardo Alexandre de Mendonça. Op. cit.

[5] Conforme notícia disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/seidigi/sus-digital/telessaude. Acesso em: 19 fev. 2025.

[6] SILVA, Adriano Massuda; MACHADO, Cristiani Vieira; ANDRADE, Gabriela Ramos de; LIMA, Luciana Dias de; ALVES, Maria Tereza. Teleassistência no Sistema Único de Saúde brasileiro: onde estamos e para onde vamos? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29, n. 7, p. 1783-1794, jul. 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/ WHgTDFZpBZCLk9kNrMdStbH. Acesso em: 19 fev. 2025.

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Márcio Aguiar

Sócio fundador da Banca Corbo, Aguiar e Waise Advogados Associados. Especialista em Direito Empresarial. Ex-diretor jurídico da Câmara Portuguesa de Indústria e Comércio

Fonte: Judicialização na saúde suplementar: causas, impactos e caminhos para racionalização