Emendas ao novo CPC: limitações à penhora on-line

Atualmente, tramita no Congresso Nacional o PL do novo CPC (8.046/10) e, no último dia 11 de fevereiro, foram votadas e aprovadas na Câmara dos Deputados três emendas ao texto-base, entre as quais, a que dispõe sobre a limitação do uso do sistema BACENJUD para efeitos de penhora. A referida limitação se concretiza através das emendas aglutinativas 7 e 614/11, à sombra da qual foi proposta a primeira.

A primeira inclui a seguinte ressalva (abaixo destacada em negrito) no novo texto processual:

Art. 298 […] Parágrafo único: A efetivação da tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento provisório de sentença, no que couber, vedados o bloqueio e a penhora de dinheiro, de aplicação financeira ou de outros ativos financeiros.

A segunda emenda confere a seguinte redação ao art. 810, §1º do projeto:

Art. 810. Para possibilitar a penhora em dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará ás instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

§ 1º A penhora a que se refere o caput somente poderá ser realizada em processos onde não caibam mais recursos ou embargos à execução1.

O autor desta última emenda, o deputado Alfredo Kaefer, apresentou a seguinte justificativa para propor a limitação:

A penhora online é uma medida extrema que deve ser usada, em caráter subsidiário a outras medidas de excussão patrimonial, com parcimônia e responsabilidade, a fim de evitar graves prejuízos e mesmo a quebra de empresas que atendem à função social da empresa na geração de empregos e renda. À luz do princípio da proporcionalidade, que, no processo de execução, é traduzido na máxima segundo a qual o devedor não deve sofrer constrições patrimoniais excedentes daquelas estritamente necessárias ao pagamento da dívida, o mais razoável seria que o credor tivesse que demonstrar que buscou, sem sucesso, bens imóveis e veículos antes de requerer o bloqueio e penhora on-line.

À luz do direito processual vigente, esta redação representa verdadeiro retrocesso, tendo em vista que vem onerar o credor, quando deveria resguardar o seu direito, conforme previsto pelo art. 612 do CPC vigente:

Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Não há dúvidas de que assiste razão ao deputado quando este se preocupa com o princípio da proporcionalidade, mediante o qual o devedor não pode ser excessivamente onerado, extrapolando o necessário para a quitação da dívida (vide art. 620 do atual CPC). Contudo, conforme a norma de direito aplicável, a execução se realiza no interesse do credor, posto que – além do título executivo – o direito reconhecido ao exequente é pressuposto essencial do procedimento de execução ou do cumprimento de sentença.

Neste diapasão, o que se entende da referida emenda, e respectiva justificativa, é que a lógica aplicada em favor do devedor poderia perfeitamente ser aplicada em favor do credor. Ora, se tomarmos empresas como exemplo, e partindo dos argumentos expostos na citada justificativa, o dinheiro a ser gasto pelo devedor para saldar a dívida deixará de ser investido no funcionamento e na manutenção da empresa; mas, de outro lado, tem-se que considerar que, da mesma forma, o crédito que não é recebido pelo credor constitui dinheiro que deixa de ser investido nas suas atividades, desde a expansão de patrimônio até a satisfação de suas próprias obrigações trabalhistas, tributárias e com fornecedores.

Sendo assim, observa-se que, ao sopesar os interesses, as emendas acabaram por privilegiar os interesses do devedor.

Não bastasse as emendas se manifestarem na contramão da evolução do direito, elas são contraditórias a outros artigos do projeto do Novo Codex Processual, os quais mantiveram o entendimento do legislador anterior quanto a questão relacionadas ao tema ora debatido:

Art.754. Realiza-se a execução no interesse do credor que adquire, pela penhora, o direito de preferência dos bens penhorados.

Art. 792. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II – veículos de via terrestre;
III – bens móveis em geral;
IV – bens imóveis;
V – navios e aeronaves;
VI – ações e quotas de sociedades empresárias;
VII – percentual do faturamento de empresa devedora;
VIII – pedras e metais preciosos;
IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;
X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
XI – outros direitos.
§ 1º Ressalvada penhora em dinheiro, que é sempre prioritária, a ordem referida nos incisos do caput deste artigo não tem caráter absoluto, podendo ser altera pelo juiz de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Reforça o retrocesso e até mesmo a incongruência das emendas a previsão do § 1º deste último artigo, posto que o dispositivo consagra a prioridade absoluta da penhora em dinheiro.

Desviando o foco do direito material para as formalidades do sistema jurídico normativo, a projeção de instabilidade e insegurança do que se pretende seja o novo Código de Processo Civil é assombrosa. Observa-se a criação de uma antinomia jurídica real, não apenas no mesmo sistema jurídico, mas no mesmo conjunto de normas, haja vista que, com a aprovação das emendas, o texto do Novo CPC passaria a abrigar duas disposições relativamente antagônicas.

Apesar de o processo legislativo não ter se encerrado, o resultado da votação na Câmara é motivo de preocupações; afinal, conforme se manifestou o relator do projeto, Deputado Paulo Teixeira, “Essa emenda impede a ação rápida para o bloqueio do dinheiro, dando possibilidade à fraude. Espero que o Senado retire isso do texto2”.

Bem fundado o temor do relator, tendo em vista que o retardamento da utilização do instituto da penhora on-line trará maior frustração na consecução de valores para satisfazer o crédito exequendo. Tomando por base o tempo médio para se esgotarem as possibilidades de recurso, a eventual dilapidação do patrimônio por parte do devedor insolvente será certamente facilitada.

A conclusão a que se chega é a de que a inibição da penhora on-line, caso aprovado o texto proposto pelas emendas, prejudicará o direito do credor de ver seu crédito satisfeito em tempo e forma que lhes sejam mais favoráveis.

Fonte:Camara